Dando nome aos bois...
Alguma coisa acontece nas nossas cidades. Parece que
as manifestações de massa ressurgiram num passe de mágica e que, de uma hora
para outra, as pessoas resolveram expor as suas ideias, depois de anos de
silêncio. Mas de onde partiu esta intenção de tomar consciência das questões
sociais até então esquecidas?
Entre
outras coisas, partiu de um meme da Internet que representa o conceito de
muitos usuários de comunidades online pulsando em sintonia, como um cérebro
global .Esses usuários se denominam “ Anonymous”. Por trás dos anonymous estão universitários e estudantes de
ensino fundamental, segundo um analista de ciência política. As demandas são
difusas, sem conexão institucional e a mola propulsora das reivindicações é a
qualidade de vida e o uso do dinheiro público de forma clara.
“Na
sua forma inicial, o conceito Anonymous
tem sido adotado por uma comunidade online descentralizada, atuando de maneira
coordenada, geralmente em torno de um objetivo livremente combinado entre si e
voltado, principalmente, a favor dos direitos do povo perante seus governantes”.
O coletivo Anonymous tem alcance
local, internacional e dimensão global, conseguindo capturar indivíduos de
todos os extremos do planeta, enlaçados nas grandes redes sociais, que fazem do
globo uma pequena bola de gude. E, bola de gude é para brincar. Aproveitando o
momento, eu diria que é uma bola de
futebol. Aliás, já vimos um sujeito que brincou com o globo terrestre, como se
fosse uma bola, lembram-se?* Alguns podem extrapolar e querer se divertir com a
bola outra vez... Sim, de um clamor virtual a uma multidão aglomerada no mundo
real, existe uma grande distância. A brincadeira pode acabar mal. O grande
cérebro não pode controlar os milhares impulsos dos manifestantes
desgovernados, porque cada indivíduo se liberta dele e passa a agir por conta
própria.
Não existe um comando único, mas um
coletivo em ação. Não há nada que possa garantir a harmonia de cérebros
disseminados em milhares de lugares, agindo por vontade própria. Aí está o
grande perigo desta liderança virtual mobilizadora. Ela estimula e impulsiona a
agir, dando uma direção geográfica para a massa, mas fatalmente pode perder o
controle sobre ela, quando esta ganha pernas, fora do facebook.
O nome
Anonymous foi inspirado no anonimato e na forma velada sob a qual os
usuários se resguardam. Escondidos pela máscara de Guy Fawkes, usada por V( em
V de Vingança), eles nada temem. Resguardado, o indivíduo se sente livre para
se manifestar e disseminar conteúdos e ideologias
de toda natureza. As redes sociais se incumbem de catalizar e organizar grupos,
movimentos e ações. Trata-se de um fenômeno muito poderoso no seu potencial; o
comando é: saia da rede e
venha para a rua!
Já sabemos, historicamente, o que podem fazer alguns líderes ( reais e agora virtuais) que massificam, absorvem e manipulam as mentes com um simples comando. Há que ter cuidado e não se deixar manipular como massa de manobra. Nas passeatas algumas camisas brancas já foram substituídas por camisas pretas. Vamos ver o que prevalece.
Anonymous é um organismo gigante como um
grande polvo e seus tentáculos que se soltam e se fragmentam no momento da ação.
“Como um nome de uso múltiplo, indivíduos que compartilham o apelido Anonymous também adotam uma identidade
online caracterizada como hedonista e desinibida”. Claro, escondido e
resguardado, muitas vezes o indivíduo encontra território fértil para liberar o
seu lado mais primitivo, instintivo e agressivo, uma vez que o comando se
limita a convocar o agrupamento. Depois que se consegue isto, é cada um por
si... Cada um seguindo sua cabeça e impulsos, conforme seus valores. Isso é uma
adoção intencional, satírica e consciente do efeito de desinibição online. Sem
identidade as pessoas têm ou se sentem com poder e se manifestam livremente,
pois não há o medo de serem censuradas, reprimidas ou reconhecidas.
O que
seriam, já que se escondem no anonimato? Uma tribo, uma gangue, uma quadrilha,
uma legião com a mesma máscara? Uma das auto-descrições do Anonymous é: “ Nós somos Anonymous. Nós somos Legião. Nós não
perdoamos. Nós não esquecemos. Esperem por nós”**. Muitas destas definições me
parecem intimidativas e ameaçadoras. Em uma linguagem anterior às páginas
sociais eu lembraria o refrão gritado nas ruas: “ o povo unido jamais será
vencido”; muitas vezes a multidão acompanha o fluxo, sem saber ao certo a
direção da caminhada. Resta saber quais são os propósitos do povo unido, quando
fora do universo virtual. Pode ser um grito de guerra de um cérebro sem
harmonia com o restante do corpo, incitando à paz, ou à violência. Afinal, não
há compromisso do cérebro com o resto do corpo. Quem determina a direção?
“Anonymous é a primeira super consciência virtual. É um coletivo,
no mesmo sentido que um bando de pássaros é um grupo viajando na mesma direção.
A qualquer momento, mais pássaros podem entrar, sair, voar para uma direção
completamente diferente”. Fica evidente nesta auto definição que eles assumem
que perdem o controle e a direção dos voos dos cérebros massificados. Eis aí o
grande perigo.“Usamos os modos de comunicação para organizar os protestos”. A
partir disto não sabemos o que pode acontecer... E as consequências dos atos
dos radicais infiltrados? Quem pagará pelos estragos do vandalismo?
“Anonymous não possui um líder ou partido
controlador e depende do poder coletivo dos ativistas em agir de uma maneira
que o resultado beneficie o grupo”. De qualquer forma, a partir do momento que convocam
a população para as ruas, tudo foge ao controle e nada garante que não sejam
desvirtualizados de seus propósitos originários. Nada impede que grupos de
interesses diferentes dos pacifistas se infiltrem e deem uma cara de terror ao
movimento. Um organismo independente, invisível, como um cérebro gigante, sem
nome e sem dono, pode transforma-se em um elemento altamente perigoso, com
poder, em tese, para o bem e, no mundo real, com muito poder também para o mal.
Quem decide a cara do movimento é o
povo!
Cuidado! Um cérebro sem rosto pode
ter uma aparência assustadora. E, querer dar nome aos bois, quando a boiada
está solta em disparada, é impossível.
Valéria
Áureo
19/06/2013
*Alusão ao filme O Grande Ditador, onde Chaplin vive
uma brilhante sátira a Adolph Hitler.
**[We Are Anonymous, We Are Legion], Yale Law and Technology,
9 de Novembro de 2009.
( Origem:
Wikipédia)