Ilustração: Fonte: Internet
- Alô, com quem falo?
- Com quem deseja falar?
- Com o responsável, ou a responsável pela linha telefônica. Ele está?
- Sou eu, pode falar. O que deseja?
- Olá, como vai, tudo bem? É um prazer falar com a senhora. Aqui é da VIVO. É uma ligação referente a planos...
-
Planos, é? Já imaginava! Vivem ligando para mim todos os dias. Só vivo liga
para mim. Morto não se comunica; abandona de uma vez por todas... Dizem até que
tem outra vida depois da morte, mas não sei se tem telefone, chamada, essas
coisas... Meu médico disse que é até bom eu atender ao telefone, pois vivo
muito sentada, disse que vida sedentária me prejudica; a VIVO liga toda hora e
eu me levanto e atendo; me levanto e atendo... Sou uma senhora de 85 anos e meu
geriatra disse para eu não me aborrecer, porque o exercício é bom para o meu
coração e para as pernas. Disse que preciso de fisioterapia.
-
Sim, mas vamos ao que motivou a ligação da VIVO. A empresa VIVO está lhe oferecendo um plano
fidelidade.
-
Fidelidade, é? Fidelidade de VIVO? Eu só acredito em fidelidade de morto. Pelo
menos, quando o sujeito morre, a esposa sabe direitinho onde está o safado do
marido e tem certeza que ele está sozinho no caixão. Mas enquanto o marido está
vivo, minha senhora, eu não coloco a minha mão no fogo por ninguém. Como é que
pode me garantir fidelidade de VIVO?
-
Bem, minha senhora, não é esse tipo de fidelidade de casal, entende? É
fidelidade de plano de telefonia... Vou lhe explic...
-
Eu sei. Fidelidade é não trair, não é? É ficar com um só e pronto! Eu vivo na
fidelidade! Só tenho um telefone. Sou mais fiel do que um cachorro.
-
Mas minha senhora, como é difícil falar com você e lhe explicar o plano.
-
Se tem algum plano, já não é fidelidade; tem alguma coisa tramada já para
enganar o outro. É assim mesmo, na moita, no telefone, no zap. Quando a esposa
abre os olhos, o marido já foi.
-
A senhora é muito confusa! Dá-me paciência, senhor!
- Paciência e fidelidade! Vivo dizendo para a
minha filha: - calma, calma, calma! Tenha paciência comigo, porque sou uma
senhora idosa. Minha filha Candice vive me dizendo que eu estou muito
dispersiva, confusa e até inconveniente com o que eu falo. Ela se preocupa com
o que eu digo e diz que eu posso até apanhar na rua, com essa mania minha de
falar o que me vem na cabeça e parar para conversar com todo mundo que
atravessa o meu caminho; mas o que eu posso fazer, não é? É a idade! Sabe me
dizer se o nome da VIVO foi escolhido para obrigar os velhinhos a se levantarem
toda hora para atender ao telefone e se manterem vivos? É ginástica? É algum
programa, um plano do governo para a terceira idade? Ouvi o presidente falar
que podemos viver até os 140 anos... Já imaginou? Que marido vai aguentar ser
fiel mais de um século? Não há fidelidade não, minha filha, que dure mais de
cem anos...
-
A senhora está brincando comigo? Estou falando sério e a senhora vem com
brincadeira?
-
Não! Não se aborreça comigo; estou falando muito sério; ainda mais quando me
promete fidelidade. Não tive fidelidade nem do meu marido e o assunto mexe com
os meus sentimentos. Mas já que falou em brincadeira, vamos brincar? Eu falo
morto e a senhora se assenta; eu falo vivo e a senhora fica de pé. É assim: -
morto! Vivo! Morto! Vivo! Vivo! Morto!
Morto! Vivo!... Ai, já estou ficando cansada desse senta e levanta; Ufa!...
- Bip,
bip, bip...
-
Que pena, agora que a gente ia brincar, desligou! E ainda promete
fidelidade!... Aqui, ó, fidelidade!
Autora: valéria Áureo
In: Docilidade de Sobreviventes