Lá se foi o Chaves, Chaves, Chaves!...
O genial Roberto Bolaños criou um indefectível personagem, elo
perene entre as gerações. Na interrupção das ruas das metrópoles ensandecidas,
acende-se a luz da vila mais famosa do mundo, para que a fantasia e a paz
inundem as casas. É um momento de paz e alegria. Toda cidade é igual na sua luta
diária ou na frieza de concreto, mas a Vila de Chaves é versátil, vibrante e
eterna. A genialidade do criador de Chaves deixa um registro para a história do
humor televisivo com características irretocáveis: humor limpo, sóbrio, inocente,
pedagógico, que pode ser visto por todos sem nenhum constrangimento. Um
programa para toda a família. O menino ingênuo, arteiro e trapalhão que vimos
atravessar as gerações e a todos encantar, toma hoje outro rumo. Simples como é
a infância dos meninos que brincam com caixas de sapato, lata de massa de
tomate, barbante, bola de sabão e pião, parte o menino para o seu destino.
Quanta inocência, sem apelos e sem subtextos que infestam o
humor atual e que tanto nos envergonham. Ele é cândido, é puro de coração e é
compreendido e compreensível em todas as classes sociais. Ele dignifica a
criança, porque a trata com muito respeito. Chaves é o menino humilde, que
revela o melhor lado da infância; que deseja o que o menino rico tem, sem saber
que o mundo é feito de diferenças. Não inveja, mas deseja, na incompreensão
infantil de que há diferenças sociais, os brinquedos do amiguinho. Para ser
feliz como Chaves não é necessário ser rico; basta ter alegria e nobreza. A ingenuidade era doce, angelical; ele catalisava
todos os afetos do público. Assim hoje se tornou um ícone.
Por que nos comove tanto? Porque nos faz iguais; faz-nos
pertencer à Vila, nos faz conviver intimamente com todos os moradores. Temos a
mesma linguagem, os mesmos sentimentos e compartilhamos dos mesmos medos (que
tal a Bruxa do 71?). Em algum momento conta um pedaço da nossa vida e revela as
nossas histórias e segredos. Fala dos amigos,
dos vizinhos, do sabor raro do pão com presunto, ou do doce do Kiko e da goma
de mascar da Chiquinha. Encanta-nos a Dona Florinda flertando com o Professor
Girafalis. Rimos com o Seu Madruga, Senhor Barriga, Nhonho, Popis, Chapolim...
Eles nos pertencem, mas pertencemos a eles também. Esta sensação nem é tão
compreensível, porque a pobreza, no tempo simbólico da ficção era saborosa... A
fantasiosa infância era plenitude (assim como na Vila do eterno Chaves), era humilde
e angelical. Havia verdade, magia e poesia dentro do baú, onde se ocultaram os
mistérios da origem familiar do personagem. Tudo era mais simples e verossímil.
Um Chaplin.
Quem não se emocionou e ainda não se emociona com o Grande Chaves
em seu barril? Não tinha casa, não tinha pai, nem mãe, nem família, mas era tão
rico. Chaves arrancava o melhor de nós. Restaurava o calor da casa, o afeto
perdido, a solidariedade, o beijo da mãe que já se foi, o sabor do bolo de
aniversário na casa do amigo, a convivência do quotidiano. Coisas simples e
banais. A inocência do pequeno abandonado é indestrutível; a infância perene
que ultrapassou as décadas e abraçou crianças, adultos e idosos é imorredoura.
Com humor para todas as gerações, Chaves teve o foco sempre na poesia do
relacionamento humano. Chaves retratava o amor na sua essência e na sua
plenitude. O personagem com as suas características mais geniais, usando a
linguagem compreensível dos pequeninos fica registrado para sempre.
Chaves - Personagem universal, histórico; espelho de toda
criança pobre, coração chapliniano de qualquer idade, de qualquer cidade do
mundo.
O gênio do humor se foi.
Fui um pouquinho Chaves na Rua Domingos Inácio, número 87. Fui muito
feliz.
Autora: Valéria Áureo
30/11/2014