Apresentação

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domingo, 4 de junho de 2017

Intervalo entre as Sessões ( As Sementes)






Havia uma confusão dentro da cabeça do rapaz, depois que ele saiu do consultório. Conversou com algumas pessoas na saída e seguiu ruminando ideias. Essa história de melancia era metáfora, ele bem sabia, é claro, mas a obviedade disso o irritava. Nada na vida poderia ser óbvio demais. A verdade é que uma melancia tinha ocupado muito espaço, em uma consulta de 45 minutos. Pura perda de tempo.
Matias produziu na psicanalista uma sensação complexa: aquela imagem no consultório, bastante avantajada, um pouco desproporcional, sempre vestido de forma nada casual, causava-lhe estranhamento. Um rapaz progredindo profissionalmente, chegando ao sucesso muito além do programado, mas inseguro em outros aspectos da vida. Aliás, diante da médica, já tinha perdido o fôlego algumas vezes. Talvez um constrangimento natural de moço tímido. Poderia ter sido agressivo, como um mecanismo de defesa, no início do tratamento, tal seu desequilíbrio, mas ele foi bem humorado, até irônico. Defendia-se dela, tão bela! Quando a relação de confiança se estabeleceu entre ele e a doutora, as dissimulações foram desaparecendo e o mundo interno, frágil e carente, foi sendo assumido com menos constrangimentos. Afinal, todos nós somos feitos de fraquezas, pensava. Ela não será diferente.
Matias acostumou-se a falar sem filtro e sem censura diante de uma analista tão linda. Achou mais confortável ser como era, sem ensaios para falar com a médica, ou com respiração acelerada. Ora provocava, ora instigava, ora queria algo além do trabalho da analista. Parecia querer descobrir as fragilidades dela; afinal somos todos humanos. Ela também tinha os seus dias de nervosismo, já tinha percebido. Tinha notado que ela esfregava as mãos com frequência e um tique nervoso que lhe dava um charme. E quem cuidava dela? Ele se inquietou com a possibilidade de ter uma analista tão problemática quanto ele. Até achou engraçado. Juntamente com as palavras, o esfregar das mãos, o sorriso provocante, mas nervoso, os braços marcados pelas pequenas manchas de ranhuras. Concluiu: ela tem problemas!
Não raro se despedia com uma palavra-alfinete saindo do consultório, como se desejasse marcar sua presença; por mais forte que fosse a incompreensão da própria vida e sua dor, Matias sempre dizia que não precisava voltar ao consultório, não precisava se deitar no divã, ou ir para a cadeira. Não gostava que lhe dissessem o que fazer. Sua mãe sempre havia dito que ele era do contra. Matias preferia falar e andar pelo consultório, enquanto falava o que lhe vinha à cabeça. Por mais que desejasse ajuda, sabia: teria que conviver consigo mesmo, para sempre; ele mesmo seria o responsável por si e suas decisões. Ele teria que resolver sobre si mesmo, sua fé e suas convicções, durante os seis dias restantes da semana, até voltar para outra sessão.
Enquanto isso, a tal melancia ficava sobre a mesa, à espera de solução. À melancia, nesse lapso de tempo, já tinham se juntado o pepino, a abóbora e as sementes... Estaria aí a semente do problema? Sementes de abacate e seu expressivo volume, passaram por sua cabeça. Também vislumbrou um grão de mostarda, tão pequeno, mas tão expressivo nas palavras do pastor. Sementes de quiabo tão perfeitas e esféricas, que não caberiam nessa conversa de imperfeições e desajustes... Sementes de abóbora, de melancia eram interessantes e ocupavam pouco espaço, mas não era isso o que tinha sido importante na última consulta. E o monte de problemas só ia aumentando, aumentando. E, até que quinta-feira chegasse, teria que ver a mesa amontoada com coisas tão inadequadas e impróprias para uma sala de visitas.
Sem entrar muito no mérito da questão das sementes grandes e pequenas, e a relevância que pudessem ter, uma coisa ocupava a mente de Matias: a fé. Sabia que a fé é como um grão de mostarda, que, quando semeado, embora seja menor do que todas as sementes que há na terra, depois de semeado, cresce e se torna a maior de todas as hortaliças, e deita grandes ramos, de tal modo que as aves do céu podem pousar à sua sombra cegamente; uma fé que cresce e estabelece uma intimidade com Deus. Foi assim que aprendeu. Era dessa fé que Matias precisava!
Bom, o dia fechava com mais uma metáfora nas suas reflexões sobre a vida. Uma nova dúvida: será que seus problemas teriam nascido de coisas tão pequenas quanto os grãos de mostarda?


Autora: Valéria Áureo