- Ei, acorda! Dona! Acorda! Ei Dona!
...
-
O que é agora? Não posso nem dormir sossegada? Que é isso? Meu Deus! ... Quem é
que está me chamando e me dando um susto desses no meio da noite? Não brinca
com uma coisa dessas porque eu tenho medo de assombração! Meu coração veio aqui
na boca. Creio em Deus pai!
- Que sombração que nada, Dona. Sou
eu, o Ruraldino? Tô vivinho da Silva. Bem, eu acho que tô respirano, andano,
falano, tudo lelete.
-
Realino? Ai, meu Deus do céu, agora ferrou mesmo! Não tinha morrido? Já está no
céu, meu senhor? Ou eu também morri e nem me dei conta? Não contava com essa
desventura. Tenho tanta coisa ainda para escrever...
-
Que Realino que nada! Deixa o sujeito quieto, que tá muito bem. Nem Realino e
nem Ruralino. Sou eu, o Ruraldino! E ocê não morreu nada, sua boba! Ocê não é a
Valeria Áureo, aquela Dona que escreve?
-
Sim, a própria tentando dormir depois de uma maravilhosa viagem a Rio Pomba e
uma noite de autógrafos memorável. Festa do lançamento do livro do Roberto
Nogueira
-
É exatamente sobre isso o que eu tô quereno falá... Viu por lá o Sô Santão?
-
Claro que sim; e até conversei com ele; vi o Santão e tanta gente boa que nem
vai acreditar. Vou lhe contar de um por um... Foi emocionante!
- Depois ocê me conta dos otro, pois não vai cabê nas foia do jorná e a Dona Carmen
Lúcia num vai gostá. O
causo é o seguinte: - avisa lá pro Sô Santão, que ele me largô aqui nesse fim
de mundo e nada... Só tenho certeza que num morri
ainda, porque num tô no livro dos morto - 250 anos, do dotô Roberto Nogueira.
Até eu tô achano que morri. Pois o sujeito me largô aqui no meio dos cafundó do
Judas e acha que é assim. Num é assim não! E o compromisso? O cabra não pode
fazê o que bem entende com a minha vida sem continuá a minha história; nem com
a vida da Dona Emengarda, a pobre. Acha que a gente num tem arma, num tem
sentimento? Não sinhô! Num é assim não! Criô nois, agora tem que tomá conta!
-
Também acho, mas o que eu posso fazer? Ele decidiu assim e ponto final!
- Pois manda um recado pro sujeito das
letra; oceis escritô é que se entende e é tudo esquisito. Eu só entendo é coisa
de mato. Pois foi muita vez que Seu Santão fez isso de aparecê e desaparecê e
me deixá aqui e me metê lá pelos mato, bem na profundeza do grotão, como se num
quisesse mais que eu fosse avistado. Nem viva alma para me consolá. Inventô que
eu gosto de ficar sozinho, que sô um ermitão. Mas num exagera né, Sô Santão?
Preciso dar as cara, de vez em quando. Eu tô ficano loco com esse insulamento.
É solidão demais da conta, sô! Preciso de uma companhia, uma companhera...
-
O que quer que eu diga a ele. Fale aí! Já que me acordou mesmo, já estou com as
mãos no teclado. Sou toda ouvidos!
- Diz que tô cobrano dele. Tô
desacorçoado. O sujeito sumiu nas andança dele, sabe lá Deus pra ondé e num
deixô paradero. Não custa nada averiguá se ele anda com dúvida na qualidade de
sua cabeça por conta do emburramento com essa bestera de política, ou com
dúvida da qualidade do coração e sentimentos. Deu a mim, esse pobre rocero, um
receio do Sô Santão tá doente. O sujeito me largô aqui nas terra onde
cupinzeiro ia sinalizando as lonjuras do domínio do que Deus criou, competino
com o largo do rio; a coruja na grota do cupim, piano e fazeno ninho, vigiano
os domínio dos novo fiote. Eu fazia vistoria de qualidade, de cada parmo de
terra, da rama até a raiz. Ele vinha e nois conversava... Era bão!
-
Sim, mas o quer, afinal? Parece-me que ele não quer mais conversa.
- Uai, eu quero entrá nas história!
Mas o danado do cabra sumiu?! É estranho, porque sempre estreitô um
companheirismo de irmão, de instante comigo e a Emengarda. E dessa num sei mais
nada, se tá viva ou se tá morta. E, do nada, o sujeito suverteu, engolido pela
terra. Desinteligência entre nóis nunca teve. Se teve diferença de ideia foi
coisa de pouca abrangença; coisa que levantou a satisfação da cidade quando Seu
Santão me tirou do jorná, porque não sou bobo não. Gente que não tolera a
conquista alheia. Os invejoso deu-se por muito contentado com a perca de minha
fama. Ês gosta é de derrota!
-
O que eu posso fazer meu senhor? Ele me pareceu irredutível em seus propósitos. Acho que não consigo
que mude de ideia. Não tenho argumentos para demovê-lo.
-
Num fala enrolado não, Dona Valéria! Agora sou só um coitado abandonado até
pelo homem das letra; eu, um sujeito tão temente a Deus, levano a amargura e
olho-gordo da inveja alheia, pesano sobre as minha costela; invídia de me ver
no jorná, tão bem situado, falado, essas coisa de cidade. Aquilo era demais pra
cobiça do povo que crescia os oio pra cima de mim, tão famoso eu tinha ficado.
Ês dizia: Ruraldino tá na vida boa, prosperano no sítio, sossegadinho,
sossegadinho... E eu quetinho no meu canto, cunversano cum escritô que vinha
aqui me vê. Quem diria... Aquele atoleimado, amigo de escritô... Assim eles
falava de mim... Pois o povo num guentô; e o povo danado a falar, falar, falar.
Imagina? Eu só vivendo no sossego, ês falava; amigo de escritô. Até alarde de
recreio no campo, o tar de piquiniqui os besta falaro que eu fiz... Um besta,
eles dizia de mim; coitado de mim que não largo o cabo da enxada, nem depois de
véio...
-
E o que eu digo para o Santão, meu senhor?
-
Uai, diz que eu tô aqui. Que é pra vim toma um cafezim que é pra nois cunversá,
uai! A Dona pode vim tomém.
-Vou
escrever aqui o seu recado: - Santão, Ruraldino está convidando o senhor para
tomar um cafezinho e assim poderão colocar os assuntos em dia. Ele tem muitas
coisas para lhe contar.
-
Ficou bão, uai! Num é que a senhora entendeu tudim? Diz pra ele que eu tinha
arranjado um ajudante, porque tô véio na lida, mas a mão do sujeito era lisa
que nem mão de moça e secava tudo o que ele punha as mão. Morria os mato,
morria as plantação, esturricava as árvore, definhava as cerca viva. Nem o
capim dos pasto guentô. E o danado num se ajeitô de jeito nenhum na roça, no
sole quente. Enfiô as traia no bornal feito moça, rezano pra chuvê todo dia, só
para não trabaiá. Falô que eu tinha que usá um tar de firtro solá! Mandei
embora, uai! Ocê é besta? Solá! Sei lá ondé isso? Cê fei trem. Sô homi macho.
Autora: Valéria Áureo
Publicado em O Imparcial de Rio Pomba -2018
Publicado em O Imparcial de Rio Pomba -2018