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segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Quando uma estrela se apaga








        ... Estou esperando um milagre; um daqueles pequeninos, que servem para ajustar a vidinha, sem muitas complicações. Um milagrezinho jeitosinho, que tenha o jeitinho da cidade natal, cheio de delicadezas e pureza de alma. Um milagre bem pequeno, que caiba no bilhetinho, na novena, na receita do bolo, nos respingos da chuva, na birra da criança e que não caiba no grande jornal, cheio de mentiras e hipocrisia; um jornal honesto, comprometido com a verdade (por ser coisa de gente da terrinha). Estou aguardando um jornal que me traga aromas dos campos.

       Assim foi, assim tinha sido até então, e assim será: o indefectível noticiário das metrópoles me enlouquecendo e o jornal da cidade do interior de Minas Gerais, com aromas de café, me confortando. Assim sempre foi O Imparcial!
Nessa madrugada, eu acordei mais cedo do que todo mundo e revivi domingos interioranos, abrindo todos os pacotes de esperanças sob a árvore, prestes a ser desmontada depois das festas. Foi quando me veio a notícia de seu fim. O fim do jornal da cidade do interior, da zona da mata mineira. Retirei as luzes, os adornos e as expectativas de ano novo com prosas poéticas, crônicas, poesias e contos. Depois me deixei ficar no tapete da sala, abatida e incrédula, confiando que teria sim, um milagrezinho daqueles bem especiais, na minha caixa de correspondências. Bem ali, onde me chega O Imparcial.

       - Ah! Mãe, por que você abre tantas e tantas vezes a caixa de correspondência? Toda hora que sai, e todos os dias? Na ida e na volta, você pega a chave, se detém diante do espelho da portaria, olha para a rua movimentada e abre a caixa; não tem muito sentido, não acha? Já notou que isso é uma mania esquisita? Acho que pode ser TOC!
        Ah! Minha filha não sabe do que vai no meu coração provinciano, quando abro a caixa de correspondências na esperança de encontrar o companheiro constante de minha juventude e maturidade - o que me acalentou tantas vezes. Eu abro a caixa de correspondências e bem ali, acontecem todas as mágicas e encantamentos. Abro mil vezes, no afã de ter em duplicidade (na ida e na volta) as surpresas do que está escrito (por mim e pelos outros). Se eu o encontro quando eu saio de casa, folheio, faço uma vistoria apressada com um sorriso e o deixo ali, até que eu volte. Ele ali, quieto no escaninho, e eu pela praia, imaginando o que terá de auspicioso. Na volta eu o retiro e o carrego para casa, já começando a leitura no elevador. E assim tem sido e eu imaginava que seria para sempre.

       No Imparcial eu escrevia, para ficar mais próxima de minha infância e mocidade. Escrevia para ficar bem mais plena de aprendizado e de ensinamentos. Escrevia para conversar, mesmo de longe e deixar (para depois de minha morte) alguns poemas de amor ou de (des) conforto, registrados em minha biografia. Escrevia para expurgar todos os males (os meus e os dos outros) em catarse e lágrimas, e para comover alguns e conquistar outros. Escrevia para desafiar, para provocar reflexões. Escrevia, ora por instinto, por suicida audácia, por atrevimento e por desmedida coragem e confiança. Escrevia por humildade, ou por jactância e orgulho. Escrevia buscando a eternidade de um único dia (sempre aos domingos), mesmo que no outro domingo as minhas palavras escritas fossem empapeladas no piso de uma gaiola (de um pássaro que eu desejaria liberto), ou mesmo que fossem embrulhadas em uma quitanda de verduras, bem na pracinha, ou na rua em que nasci. Escrevia, na esperança de que alguma alma gentil e amorosa dissesse que lhe fizera bem ler uma crônica de minha autoria, que se sentiu reconfortada, ou riu, ou chorou. Escrevia para me lembrar da cidade e das pessoas com as quais eu cresci, estudei e das quais me separei. Escrevia para me esquecer de que tinha deixado para trás a mãe, o pai, os irmãos, e para fazer esquecer das mágoas e aplacar queixas. Escrevia para dar voz aos mortos e calar os vivos. Escrevia para abrandar a solidão dos sozinhos, como eu!

       No Imparcial eu copiava as estrelas dos céus e seus enigmas; eu replicava suas mensagens secretas e tudo eu revelava aos que sabem e gostam de ler. Havia uma expectativa de entrega absoluta às estrelas, aos sonhos, à esperança, à poesia. Escrevia porque havia estrelas demais na noite escura e, apesar da noite triste, ali eu me encontrava a brilhar um pouquinho.
Depois de dois centenários O Imparcial sai de circulação; é uma estrela que se apaga nos céus de Rio Pomba.

Autora: Valéria Áureo

20/ 01/ 2019