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quinta-feira, 6 de junho de 2019

Incansável Dona Fitônia.

Ilustração: Fonte Internet
Assim que conheci Dona Fitônia, senti que ela era dessas mulheres de concentrar tudo, resumir-se em tudo e preencher todos os espaços com as suas gostosuras; bastar e abastecer todo mundo com alegria e conversas. Tal qual a folhagem do mesmo nome, Fitônia se esparramava em generosidade. Não gostava de delegar a outros o que sabia dar conta e irradiava calor e luz como o Sol. Mas, as contas eram cada vez maiores e ela passou a almejar o descanso. Extratos e papéis recheando a bolsa gorducha lhe faziam companhia. Rotunda de formas e de dores. Bem que poderia lhe caber o nome Dolores, em todos os extremos do seu corpo atarracado e já ficando esgotado, sem que ela entregasse os pontos. O colar de pérolas adornava o pescoço curto e dava elegância ao colo maternal. Fazia sorrir com os seus gestos apressados e eficazes, sempre carregados de soluções. Fitônia estava sempre disponível, sempre alegre, sempre presente, sempre... Eu não ousaria dizer mais nada.
- Lá de cima ela vai continuar cuidando de todos nós, sussurrariam os parentes e amigos, quando a sua hora chegasse. A fala poderia ser de alguém querendo confortar a si e aos demais, mas me pareceria o vaticínio de que tudo não acabaria ali. Como assim, continuar cuidando de nós? Isso me parecia uma convocação desumana para a eternidade e me inquietei com a incerteza do alardeado descanso eterno. Quando é que Fitônia iria parar?

Fitônia tinha tudo concentrado em si, como um vigoroso estrato, uma camada de nuvens baixas e acinzentadas modificando a cor do céu. Fitônia, a pessoa generosa que cuidava e amava desmesuradamente. Fitônia lembrava de cada data especial, de cada aniversário, e providenciava uma comemoração modesta. Fitônia recebia em casa, da melhor forma possível, quem chegasse. Ninguém saía sem um cafezinho coado na hora. Fitônia puxava conversa e tinha assunto para todos. Cumprimentava pessoas no elevador e na reunião de condomínio. Fitônia fazia a feira, o mercado, a farmácia, a costura e remendos.... Fitônia cozinhava e ajudava a faxineira com o estilo perfeccionista. Corrigia os males feitos e os defeitos. Rezava para todos, pedia perdão, não se sabia o porquê. Fitônia providenciava, remediava, abastecia e deixava tudo impecável. Fitônia controlava as despesas e administrava as contas e os problemas. Era ela que pagava, cobrava, aplicava e fazia render. Era ela que fazia ou providenciava os consertos na casa. Era ela que organizava os papéis e declarava o imposto de renda; Fitônia controlava o relógio para o leitor da companhia de água e eletricidade e comprava o botijão de gás. Ela ia a velórios, enterros e missas de sétimo dia e d mês. Consolava, chorava e se apiedava. Só havia um porém: nunca seriam pra si mesma todos os cuidados e festejos feitos aos outros. Nunca seria o bastante, por mais que fizesse, porque ela não descansava e não havia quem cuidasse dela.
Agora, ensaiando o último sono, fingindo que dormia para sempre, podia ouvir os egoístas (ela vai continuar cuidando de nós) tirando-lhe o único mérito que almejava. Esperava o reconhecimento da sua vida, que seria o precioso e definitivo - Descanse em Paz!

Autora Valéria Áureo
In: Entre Mentes e Corações