Travessa dos Poetas de calçada. Hoje eu estive lá... Verdade. Estive lá! Não, melhor dizendo, outrora vivi tantas noites ali, em horas aproveitadas nas incontáveis luaradas, bêbado tremulando pernas e ideias noviças em minha juventude. O corpo naquela ocasião pedia todas essas irresponsabilidades que acometem os rapazes. Não sei muito bem por quantos anos seguidos andei alvoroçado atrás de belas mulheres, porque era ali que elas povoavam de fascínios as janelas e meus desejos; elas atrevidas, trazidas de todos os cantos da Terra.
Travessa dos Poetas de Calçada, bem composta à Rua Senador Dantas, junto com as mil lembranças misturadas dentro da cabeça que não mais sabia qual esquina habitar. Não sei ao certo o lugar da cidade, quando distante dela, de olhos fechados... Do outro lado a Lapa! Tantos lugares... Sei que eu me sentia bem naquele encontro da esquina com a alma da Cinelândia e um remoto adocicado de uvas. Sim, ali mesmo, onde tanto percorri até me doerem as pernas... Eu amo essa rua batizada pelos milhares de canecos de vinhos e cervejas que emanavam das inspirações das penas e das longas noites de orgias... Saudáveis noites de contemplação divina. Um copo meu, ao menos, um poema meu, ao menos. Um amor, ao menos, pensava que era meu... Quem não se abatia mortalmente satisfeito na cidade enluarada, voltando-se sensual para os Arcos? Eu sonhando servi também para dar nome à rua com minhas carraspanas justificadas nas incontáveis paixões. Ora uma, ora outra a me arrebatar os sentidos. Servi ao beco, à Travessa dos loucos com meus arroubos e gargalhadas com iguais amigos, por onde devíamos nos esconder. Tudo juvenil e permitido.
É íntima esta infidelidade do beco dos poetas ora comigo, ora com outros, traindo-nos a todos como uma volúvel cortesã. Também o traí, devo confessar, porque o deixei há certo tempo, depois que os idílicos poéticos se afastaram de minha cabeça. Infelizmente fui me tornando com a maturidade um homem sem sonhos, sério, apático... Eu me mudei de lugares e mudei minha rotina Tudo por culpa de uma ilusão, que eu cri mortal e do remédio do tempo. Depois de muitos anos acabei sucumbindo aos apelos das noites enluaradas e violões.
Mais um Zé eu sabia que era. Tinha nascido assim: José, nascido em Viana do Castelo, em uma cidade que fica ao norte de Portugal e que se chama Minho; torrão também encravado na memória e eu chorando a infância, pois se tratava mesmo de um minhoto nato, apaixonado de Portugal, nascido um Cerqueira Lima por raiz da mãe, avós, bisavós. E o que eu fazia aqui então?... A mãe da minha mãe era Aninha; era o nome famoso dela. Aninha era Ana, mas o sobrenome dos mais antigos suspeita-se Carvalho; não se sabe ao certo. Donana, Donaninha... Branquinha, clarinha, pequenininha, dos olhos muito azuis. Vieram todos para cá e eu já fora da barriga, carregado pelos braços dela. A família não era famosa, era humilde da qual as pessoas falam muito bem, que tinha o nome a zelar, por causa da honestidade, mas que não tinha muitos bens materiais; eram pessoas simples e eu realmente só vim a conhecer pelo que falaram os mais antigos. Tantas terras eu deixei por lá sem percorrer, para me entregar aos prazeres das ruas daqui, pelo prazer de correr a cidade, na esquina do Beco e à sombra dos Arcos... Tantos foram os lenitivos do álcool e favores que consolaram meu coração e hoje a rua não me reconhece. Devo confessar que eu também não a vislumbro com os mesmos olhos. Agora o que me toma é uma dolorosa nostalgia, lembrando-me o quanto estou velho, o quanto a vida fez o que bem quis em mim. Um apaixonado, certamente. Também vejo a rua cercada por construções esquisitas, contrastando com sua arquitetura de meu tempo de risco só de navalha e soco na cara, nada mais. Tudo em torno emoldura a Travessa; atravessa a minha memória como se contivesse na mão aquele último copo de vinho, a mesa recoberta pela toalha branca de linho desfiada nas pontas manchadas de azeite e brumas. No centro o prato de fiambre e minhas mãos ainda firmes em torno do garrafão do vinho tinto, enquanto eu não ficasse bêbado. Mágoas... Verdadeiras feridas mal cicatrizadas em torno dele; é... Feridas do meu machucado coração. Confundiam-se as nódoas de vinho, as queixas que serpenteavam os adornos das mulheres da mesa ao lado. Fiteiras, todas elas... Nunca pude confiar. Alcoviteiras! Minha rua mudou-se quase de lugar entre estranhas edificações... Veio toda ela para dentro de mim, se cá fora não a encontro mais. Não era assim no meu tempo; quase não a reconheço tão afrontada por arquiteturas indiferentes ao seu glamour. Esse sentimento de natureza toda íntima não seria revelado por mim se não julgasse que fosse fazer muita diferença, mas faz. Puro amor pela cidade! E razão eu não tenho para julgar, que este amor assim absoluto e assim exagerado ao antigo lugar é partilhado por todos os que perambularam perdidos pelas pedras daquele canto da cidade... Tanto caminhei sob os Arcos da Lapa, que acabei sem saber onde fui parar. Por certo não diviso os meus amigos. Tantos mortos eu tenho amealhado nesta maldita vida. Nós somos irmãos nisto, habituados a nos perder... Mas nos reencontraremos na Lapa, tenho certeza. Vamos morrendo pelo caminho, mas... Nós nos sentimos parecidos e iguais; nas cidades, nas aldeias, nos povoados, não porque soframos, com a dor e os desprazeres, confusos com a lei e a polícia, as gangues e as quadrilhas, mas porque nos une a vida em certo tempo, nivela e agremia o amor daquela antiga rua dos poetas. Batizamo-nos nas luaradas em plena nudez exposta aos olhos no meio da noite, no meio da rua. Ela nos aleita indistinta e ternamente, dias sem fim, feito uma mãe carinhosa que expõe o seio farto. Ela nos irmana... Depois, de uma hora para outra, nos atira a todos em direções opostas e assim nos perdemos uns dos outros. Nem tivemos tempos para as lágrimas de despedidas e o conforto de braços nos apertando num derradeiro contato. Quando nos damos conta estamos a milhas e milhas de distâncias dela e uns dos outros. É este mesmo o sentimento imperturbável e indissolúvel, o único que, como a própria vida, resiste às idades e às épocas. Tudo se transforma. Tudo varia; mesmo os sentimentos como o amor, o ódio, o egoísmo, o ciúme. Hoje é mais amargo o riso, é mais doloroso suportar a ironia. Os séculos passam, deslizam, levando as coisas fúteis e os acontecimentos notáveis. Alguns persistem nas folhas amarelas de jornais e em detalhes de alguma fachada de casarão no centro da cidade. Só persiste e fica, legado das gerações cada vez maior, o amor da rua antiga, da cidade antiga e seu aqueduto. Não saberia dizer como as coisas começam, apenas quando se vê, elas cá estão dentro da alma. Eternos Arcos da Lapa. Não se pode mais conceber a vida sem aquele prazer de andar pela cidade e suas sombras. Onde foi parar o paladar daquela bebida suave aromatizada pelo prazer da juventude? Onde foram parar todos aqueles que estiveram comigo, os meus amigos, nas vesperais nuas pela cidade? Antes da Travessa, do beco de bêbados inocentes ou patéticos, de meninos buscando a noite. Onde foram todas aquelas mulheres sorridentes?
A rua nem é a mesma, agora me dou conta de que tudo acabou! Nem é mais minha... Nem eu sou o mesmo. Mas os Arcos da Lapa estão lá!
Qual é a rua que me consola, mesmo sem seus vinhos e suas jovens mulheres? Qual rua me entristece, mesmo sob a lua? Qual rua me comove agora? Qual a rua do meu entendimento ou do meu esquecimento se é o que me dói mais fundo na alma?
A rua é um punhal afiado que me degola a garganta, eu sinto... E me dá vontade de chorar.
- Eu já lhe disse que a Travessa dos Poetas de Calçada tem a minha alma?
Autora: Valéria Áureo
To: Hubert Áureo Fonseca In: Pretextos Para Tomar Vinho
As amigas não compreendem o que se passa com ela. Apaixonada, quem pode
acreditar nisso? Deduzem que anda esquisita, arredia, sem paciência para os
velhos hábitos. Jogar paciência, nem pensar... Uns poucos amigos dos que
restaram daquela antiga rotina de devorarem juntos os dias com sofreguidão,
ainda a procuram. Os amigos, aos poucos, foram sumindo sem aviso; Perderam-se
em sucessivas mudanças os que viviam de aluguel... Uns casaram-se, outros
tantos se divorciaram; casaram-se e amigaram-se outras e outras vezes
mais...Alguns morreram. A morte de
alguns alarmou os que gostavam da rotina de levantar cedo, ir ao calçadão,
voltar para o almoço, tirar a sesta, ver novela e jantar; dar uma volta depois
da janta, voltar para a televisão e dormir. É... A vida ficando cada vez mais
repetida ou resumida, igual; sei lá! É...As amigas não compreendem o que se passa com ela.
Anna ouve inúmeras vezes Szomorú Vasarnáp, uma música triste, que a deixa ainda mais melancólica;
insuportavelmente melancólica... Influência da amiga húngara, cantora lírica,
soprano ligeiro, que a agradava com saraus. É com Tanitoné Lovcsanyné, senhora
Lovesani, para simplificar, que Anna pode mais conversar.
A menina de dentro deu-se de parar no tempo e imaginar uma idade tanto
tola, tanto generosa, para si mesma. Tornou-se cúmplice das maluquices de quem
pensa estar se despedindo de tudo e decidiu parar de envelhecer. Lipoaspiração,
botox, preenchimento de rugas... Passou a valorizar todos os comerciais de
clínicas de estética. Tratamento de varizes a laser, medicina orto-molecular,
clareamento dos dentes, alongamento de cabelos, luzes, hidroginástica, massagem,
implantes... Por isso quer tudo que há de novo, de novíssimo; procura tudo na
Internet, vive tudo que encontra no caminho até a exaustão: tanto faz se
alegria descontrolada, se tristeza passageira, se paixão fulminante, se beleza
em frascos e odores em spray... Ah! Feromônios adquiridos em farmácias e
sedução garantida, afirma o comercial...Vai do copo à ultima gota, porque o deserto é bem ali. Anna deve ter
ficado louca, diziam os mais próximos. E aquela música, repetida tantas vezes,
principalmente no domingo, que é dia mais longo e solitário... Por que ela
insiste tanto nessa melodia?
Alguns anos apenas ela se dá, para aquilo que viveu: uma reengenharia,
uma transformação em busca da juventude. Alguns anos apenas ela se dará, para o
que ainda vai viver. Mas, diz ela, vale a pena correr o risco... Sem tempo para
desperdiçar, ela diz. Natural que se ache ainda jovial, quase bonita. Rugas ela
diz ter muito poucas; são contratempos, armadilhas que o espelho inventa só
para aborrecê-la, se a verdade é que se deteve nos quinze; vá lá, dezesseis
anos... Ao menos na cabeça e na imagem que tem de si. Está segura de si e
afirma:- O que importa agora é o tempo presente dentro da cabeça; por fora,
pouco importa, ou, de um jeito ou de outro, se arranja nas clínicas de estética.
Mas considero que tenho no máximo dezessete. E, como todo jovem, quero viver...
Repetia aos amigos; quero viver! E ria, ria, ria...
Ah! As gordurinhas fazem parte do corpo que se imagina ainda
adolescente, quase infantil. E, é próprio do que se considera jovem estar onde
se fazem as tais gordurinhas e as inevitáveis espinhas. Pois, se você olhasse
com bastante cuidado, as encontraria bem ali no queixo; isso toda vez que
exagera no chocolate, ela afirma convicta dos inconvenientes da idade. Quanto
aos cabelos, é verdade que já não eram tão nítidos e abundantes; nem eram mais
longos. Nada que um bom especialista em new visage e em coloração não pudesse
resolver! Queda de cabelos? Culpa da inquietação, do alvoroço, hormônios e
pressa que tinha em viver; quem sabe culpa do xampu de PH errado? - Oh! Meu
Deus, eu não tenho mais vinte e cinco anos...
Por dentro se sentia dourada de sol, resplandecente, como se a praia de
Ipanema fosse só para ela, para o violão de Vinicius e as poesias do Chico
Buarque. Tinha a alma ainda imaculada, porque o pecado ainda não morava ao
lado...
Dores inexplicáveis do coração,
às vezes a acometem, mas, quem não tem seus dias de amargura? Ora, um homem
mais velho é o ideal para compreendê-la. E ainda há aquelas aflições, as que
fazem bater paixões no peito atacado por pedras de gelo. Muitas delas fadadas ao insucesso, mas que devem
ser integralmente vividas. Como aquelas primeiras por versos, pinturas,
filosofia e amigos, que aos poucos vão se dispersar ao longo dessa história.
Não havia riscos em ter tantos amigos... Mesmo porque apareciam e desapareciam
de um dia para o outro, restando apenas uns poucos... Os de sempre, é claro.
Mas, atualmente, com quem poderia falar de Kafka e o Processo? Quem entenderia
Sartre e o Muro, a Náusea? Baudelaire? Nietzsche? Paul Valéry? No máximo
ouviria: - Que mulher mais pedante! Até parece que leu mesmo todos eles!...
Anna se sentia tão sozinha com seus autores mortos... Ela sim eternizava
os poetas... Trazia-os à vida, especialmente quando chovia. Quando não, ficavam
expostos, mumificados em livros nas prateleiras empoeiradas da biblioteca. Os
poetas mortos dependem dos vivos para existir; do contrário são exclusivamente
papel, livros. Cada dia tendia a ressuscitar um deles. E, do seu jeito ímpar de
viver, sobrava quase ninguém para conversar. Ainda podia salvar-se nas tardes
com a senhora Lovesani, ouvindo Mesze a Nagy Erdó (Longe no imenso bosque) ou
Addio Del Passato, da Traviata. Falavam de quê, mesmo?... Ah! Dos Concertos no
Teatro Colon, em Buenos Aires; nas apresentações na Itália no Lyceum di Milano;
falavam de Veneza, no Circolo Artístico delle Vecchie Prigioni; nos Concertos,
nas apresentações camerísticas, nas temporadas líricas.
Os outros amigos a advertiam: -
Não devia ouvir tantas vezes SzomorúVasárnap, domingo sombrio, a música
húngara dos suicidas! Anna não se importava, embora achasse muita graça no
presságio.
Abraçava todos. Ninguém extrapolava a confiança dela. O respeito vinha
do jeito manso de sorrir e falar, porque ela sabia muito bem se cuidar, mesmo
brincando sem jeito, tentando falar francês. Não a oprime a saudade das formas
antigas; tanto não, que as deseja de volta! Não se demora padecente diante do
espelho. Acredita firmemente na sua juventude, como se não tivesse passado.
Achou melhor aceitar o corpo como está. E está muito bem, decidiu por si. É a
menina de dentro que ilude a mulher de fora. A menina de dentro deu-se de parar
no tempo e imaginar uma idade tanto tola, tanto generosa, para si mesma. - Oh!
Meu Deus, eu não tenho mais vinte e cinco anos... É... Um homem mais velho há
de me fazer feliz!
Afinal, a vida é o que é e está acabado! Além de música, gosta muito dos
jornais, principalmente quando reportam a vida como ela é... Anna aprecia as
histórias de cada um, grudada no televisor, acompanhando detalhes, ora
coadjuvante, ora autora, embevecida com os rumos da narrativa. Afinal, era da
vida nua e crua que tais programas tratavam. E, o que ela poderia viver de
realidade, trancada no seu apartamento? A vida dos outros tinha graça,
movimento, fogo. Os escândalos surgem e desaparecem com muita abundância e
audiência. Isto é o tempo presente na sua cabeça... A vida em alta definição!
Os antigos amigos, na incansável rotina de acordar, andar no calçadão,
almoçar, veem a história de Anna pela televisão. Todos estão aturdidos.
Transmissão em HD...Quem diria? A
amiga desaparecida tinha virado notícia de domingo. E, que notícia!
Espetacularmente transmitida em close a sua imagem: pele claríssima, sem
manchas ou rugas, sobrancelhas erguidas e lábios carnudos! Seus caríssimos
tratamentos estéticos tinham valido a pena, comenta a amiga invejosa do sucesso
breve da mais recente celebridade. Deu-lhe um belo rosto, conveniente para uma
última imagem. Como podia continuar assim, tão elegante, tão bela, mesmo morta?
Às três horas da tarde Jonas
recebeu a notícia da morte de Anna. Jonas é o nome do homem por quem a
sonhadora tinha se apaixonado. A última vez que Jonas esteve com ela reclamou
da cor claríssima dos cabelos. Disse que tinham envelhecido seu rosto. Não era
verdade! Era exatamente o contrário. Eram inquietantes, ofuscantes fios
dourados, contrários aos ideais de sigilo conveniente ao amante. Ela não
poderia chamar tanta atenção; ela não poderia deixar fios de cabelos louros;
ela não poderia deixar sinais, vestígios de sua presença... Anna precisava ficar
ofuscada no anonimato, nos cabelos escuros, no rosto escondido por imensos
óculos. Chegar e sair à noite, depois do sol posto, para que não a vissem...
Anna precisava abaixar-se no assento do carro. Ah! Quem dera se Anna pudesse ficar
invisível!... Era o que pensava o amante.
Jonas também reclamou da fotografia que Anna tinha posto no seu perfil.
Não estava bem na foto, alegou... Ria demais, dentes demais, alegre demais, viva demais... Melhor
que não tivesse amigos na Internet. E que acabasse logo com aquelas besteiras
de blogs. Ou isto, ou o fim do relacionamento.
Ninguém nunca o vira.Todos os amigos, aliás, só ficaram sabendo de
sua existência no dia em que Anna apareceu nas manchetes dos jornais. Pelo tal sujeito
deixara os companheiros de caminhadas, os saraus da Tanitoné Lovcsanyné, as
novelas, os programas de “mundo cão” e jogos de paciência. Em compensação, fez
da clínica de estética o seu santuário de oração diária. Pelo telejornal Jonas
vê atônito o rosto estampado do que sobrou dela. Seus olhos admirados se detêm
apenas naquela fisionomia surpreendente. Seu coração dói enquanto ele busca o
ar. Estranho!...Ela agora já não tem os cabelos tão claros... E continua tão viva!
Jonas sente-se mal. Falta-lhe a respiração e lhe invade um medo sem
tamanho. A fisionomia dela está irreconhecível. Não que tivesse mutilada ou
desfigurada pela dor daquela morte inesperada. Ao contrário, parecia mais
infantil, mais terna e bela do que nunca. Um semblante afetuoso e pueril que o
encantava sempre que a via feliz agora resplandecia. Parecia iluminado, ar
translúcido em torno da face que ele dizia amar. Para ele Anna sempre seria uma
menina, como naquela tarde em que, radiante, ela lhe mostrou um ensaio
fotográfico. Intimamente ela desejava que Jonas lhe roubasse uma fotografia,
mas isto não aconteceu. Ela se sentia tão jovem, apesar dos maldosos insinuarem
que o fotógrafo tinha sido hábil e generoso no Photoshop.
Dias mais tarde Jonas veria a carta que tinha escrito para ela em todas
as manchetes, expondo suas entranhas publicamente. Jonas recolheu-se se
esquivando do escândalo fomentado por jornais populares do Rio de Janeiro. Não
tinha que tomar posição do infortúnio de Anna. Agora precisava apenas manter-se
distante daquela espécie de câmara de acusações, onde ele poderia ser o herói
ambíguo desse caso, que fazia pulsar as bases do conservadorismo das famílias
tradicionais. Algumas vezes tentou só ser um espectador esperando as horas para
entrar à frente de uma multidão de curiosos ou mais um jornalista se revezando
para colher os melhores lances. Mas Jonas era parte daquilo que tinha
acontecido com ela e estaria, a qualquer hora, desnudando-se numa exígua sala
de julgamento. Repetia para si reiteradas vezes: - não era para ela ter-se apaixonado de verdade... E, para ela,
insistia em dar o status de amante oculta simplesmente.
O nome de Anna
aparecerá na primeira página dos jornais do dia seguinte e, depois de uma
semana, no máximo, não aparecerá mais. Todos os amigos terão tempo bastante de
revê-la na TV. As fotos do estúdio são realmente belas. Assim, propagadas na
tela, dão certo toque de graça à morte... Os escândalos surgem e desaparecem
com a mesma velocidade. Annaé o
nome que preenche o topo das manchetes como a vítima do mais recente escândalo. Na
Audiência todos ignoram o que Jonas pensa dos acontecimentos. Só ele sabe o que
se passa em sua cabeça. É o conhecimento da lei, da fria lei que o aflige
tanto.
A Lei, a
fria Lei voltava à tona, vinha aos miolos de Jonas tão quente como brasa...Existiu de fato razão
para aquela morte tão estúpida? Ciúmes, ódio, traição?... Ela não era mais uma menina para se deixar enganar...
O papel de Jonas cessa depois que ele declara tudo o que viveu com Anna.
Na Avenida Erasmo Braga, no centro da cidade, o trânsito para em torno do
Fórum. Os jornalistas se comunicam com suas bases, dando detalhes dos
depoimentos que corroboram cada vez mais com a versão de suicídio. Todos quase
unanimemente descartam a hipótese de homicídio. Parece que toda a violência
está justificada no desejo de a vítima acabar com a própria vida.
Ao menos para ela, para Anna, era impossível disputar com a jovem morena
de cabelos escuros. Covardemente linda... Cruelmente e mortalmente linda.
Verdadeiramente linda! Lolitamente linda! As lentes das filmadoras já procuram
outros ângulos; quem sabe os olhos verdes e oblíquos de Mércia... Em outras
circunstâncias ela seria convidada para posar nua para revistas masculinas,
como sempre ocorre com a celebridade relâmpago. Quem sabe não era hora de
aproveitar tanta exposição na mídia e levar vantagem?... Era extremamente bela
e muito, muito mais jovem que a vítima. Muito conveniente para a alucinação
midiática e a imprensa marrom.
No momento em que está diante do magistrado Jonas já passou dos sessenta
anos. Trata-se de um homem maduro. Era na idade dele que Anna se fiava: um
homem mais velho e um amor sem medos... Não havia riscos, imaginava. Era de fato um sujeito que
queria mais do que a seriedade da vida costumava oferecer. A ascendência nobre era abonada pelo matriarcado sisudo, austero, parecendo querer
conduzi-lo à monotonia de vida eclesiástica que a mãe possuía; em contrapartida
o pai o encorajava a uma melhor vida. Ao menos mais alegre, sugeria. Assim foi
desde cedo um jovem que trabalhava, mas transformava os ganhos em bens
aproveitáveis. E seriam elas, as mulheres que conduziriam
sua vida para aqui e ali, até ser finalmente arrastado para os tribunais. Agora
parecia desmobilizado por problemas emocionais. Os opositores que insistiam em
responsabilizá-lo pela morte de Anna eram taxativos: - ele a levou ao suicídio!
No momento em que Jonas se coloca diante do Juiz, já se passaram longos
meses desde a morte de Anna, a amante. Foi intimado no dia três de fevereiro,
exatamente cinco anos depois de tê-la conhecido. Em nenhum dos pontos
acusatórios de que Mércia, a esposa de Jonas, foi objeto, aflora a intervenção
direta de Jonas. Ele se atém a contar a verdade e não se aproveita para
condená-la ou acusá-la com um testemunho rancoroso e vingativo. Quer apenas que
se faça justiça e parece sem forças para voltar sua ira contra ela. Mas, o que
Mércia teria dito para Anna, momentos antes de sua morte? Por que havia tantas
chamadas de Mércia no celular de Anna?
Na antevéspera do seu depoimento Jonas apareceu nas telas da televisão
negando todas as acusações que Mércia lhe fazia. Não era responsável por nada
daquilo que a moça alegava: sedução, grandes festas para amigos, cercado de
encantos femininos e bebidas. Ela insistia no escândalo. Queria aparecer em
todos os programas, posar para fotos, vender revistas, comprar um apartamento e
um carro. A história precisava render o máximo. Ela exagerava. Ela mentia.
Cada amor que Jonas vivia era único, dizia para si mesmo; época em que
existia exclusivamente para a amada. Vivia romanticamente o amor. Ao menos era
o que aquelas tolas acreditavam...
No dia do julgamento reconheceu formalmente ter sido o autor da carta e
ter sido o amante de Anna. Confessou ter mentido no seu depoimento para o
delegado, quando negara qualquer ligação amorosa com a mulher encontrada morta
no apartamento. Na verdade já temia as calúnias e injúrias contra ele, que
Mércia fazia circular pelos jornais. Era imoral o conceito que implantava a
respeito dele, como se difamá-lo fosse servir para retirar dela toda sua
responsabilidade sobre seus atos. Sabia que a esposa não tinha como provar as
calúnias, mas as sórdidas insinuações deveriam ferir profundamente sua honra.
Tudo aquilo o enojava.
Tudo corre no julgamento para responsabilizá-lo pelas torpezas de um
escândalo de grande envergadura, que deixa às claras a vulnerabilidade da
instituição familiar. Depois de prestar juramento senta-se ao lado de seu
advogado e respira profundamente, como se antecipasse uma sessão de tortura.
O Juiz não tem por objetivo revolver os detalhes da ligação amorosa.
Deve verificar se as argumentações da testemunha corroboram com outros indícios
para fazer o assassino ser condenado pelo seu crime. A vida privada de Jonas
está em jogo porque o advogado de Mércia faz questão de revolver o pântano que
sua cliente criara. Age, entretanto, como se tomasse todo o cuidado para
preservar a testemunha de maiores constrangimentos:
- Peço que poupem a digna senhora,
perfeitamente honrada, que é a vítima neste caso. Vamos respeitar sua memória.
Diz isso com o lábio vergado para baixo em estampado sarcasmo. Então, vejamos
como se comportava a nobre senhora: ela frequentava a casa de campo do casal...
O senhor dormia com sua amante na mesma cama de sua esposa?!...
- Protesto, Meritíssimo!
- Vou reformular a pergunta...
- De acordo, responde o advogado de Jonas. Já existe
bastante publicidade neste caso. Ademais se tratava de uma mulher respeitável.
Parece que as partes se entendem, mas o advogado de Mércia usa de extrema
ironia para se referir à vítima e se propõe a enumerar as indignidades e
torpezas presumíveis de Anna. Jonas se exalta:
- Não é verdade, senhor! Ela era uma mulher
admirável!... Murmura violentamente e é impedido por seu advogado com uma
pressão na sua perna direita. Volta-se para dentro de si, declaradamente
triste, diante da memória aviltada de Anna. Sente náuseas... Não podia se
sentir responsável pelo nefasto fim dela. Seu advogado o aconselha a só
responder às perguntas do Juiz, sem se ater ao que fala o advogado de Mércia.
Há várias semanas as cartas publicadas de Jonas ganham a companhia de suas
fotografias. O rosto sempre sério, as sobrancelhas levemente erguidas dando-lhe um aspecto inquisitivo,
como se estivesse se perguntando por que tudo aquilo estava acontecendo com
ele. Não merecia ser castigado assim pelo simples fato de amar uma mulher...
-Quais eram as suas relações com a senhora Anna?
- A princípio era minha Ghost Writer... Aos poucos nos
envolvemos e acabamos apaixonados. Tornou-se minha mulher, embora não
vivêssemos juntos. Eu sempre dizia para ela que eu era seu marido. Dizia que
ainda viveríamos juntos... Ela gostava de ouvir isto. Era romântica, sensível e
muito carente. Sentia-se segura e correspondida nos seus sentimentos. Ela sim
era minha mulher... Na sala de audiências há sorrisos irônicos. Murmúrios
arrastam discretos comentários: Idiota, não passava de uma vagabunda!...
Vagabunda e crédula. Algumas mulheres que compõem o corpo de jurados estão
inquietas em suas cadeiras. Parecem incomodadas com as declarações de Jonas que
narra pormenorizadamente a existência dessa relação que foi, pouco a pouco, se
tornando tão íntima e prazerosa.
- Com que frequência se encontravam?
- De início foram poucos e breves
encontros. Nós nos amávamos nos compreendíamos, nos completávamos. Nós juntos
nos ajudávamos e podíamos suportar os revezes da vida... Falávamos coisas
compreensíveis um para o outro. Era uma mulher com quem podia ter amor, prazer
e horas e horas de conversas... Anna tinha suas tristezas e seus mistérios.
Dizia que precisava deles para escrever, para sobreviver. Eu tinha os meus...
- Mas, e a carta que o senhor lhe enviou?
- É o que está ali publicado em todos os jornais. Foi consequência de um dos nossos telefonemas. Levamos muitos meses só nos falando
ao telefone, sem nos conhecer pessoalmente. Tínhamos prazer em nos falar por
horas intermináveis, no meio da noite. Acabamos com a solidão que sentíamos.
Até que um dia eu me inspirei em escrever. Era o que eu sentia...
O primeiro depoimento de Jonas já servia
de alguma forma para se deixar conhecer. A voz impressionava... As palavras
firmes e a sua postura lhe garantem dignidade.. E é digno de fé o seu breve
discurso sobre a forma como se conheceram. No momento em que faz suas
declarações já é uma celebridade. Uma editora acaba de comprar por um preço
elevado as suas “memórias” Tal preço já se justifica como um bom investimento,
pois a tiragem dos jornais aumenta assustadoramente. Todos afinal publicaram a
carta que os mais românticos acabaram por decorar. Uma carta convincente, capaz
de encantar. Os jornais, a princípio temeram difundi-la, receando um processo
por difamação. A partir do momento que Jonas assumiu tê-la escrito e autorizou
sua divulgação, não representou mais perigo. A carta “À minha querida...”
produz efeito, apesar de tudo.
Por si só a carta não compromete em
nada, a nenhum dos dois; nem a Jonas, nem a Anna. Afinal chama “querida” a toda
mulher... Nunca diz a ela seu nome; apenas “querida”, como se fosse um cuidado
para não pronunciar o nome errado, para a pessoa errada. Depois, trata-se tudo
aquilo que escreveu como resultado de projetos e intenções que ele discorre no
texto da instigante missiva. Na carta não havia menção ao nome de Anna. Apenas
“à minha querida”. Uma carta muito, muitoperigosa para as incautas.
De qualquer forma o Ministério Público tem claros os
indícios que podem fundamentar o crime, com base nos ciúmes e na declaração da
jovem esposa Mércia; indução ao suicídio?
- Sim, afirmou Mércia, eu
telefonava para ela e a chamava de velha ridícula! Ela era uma velha! Uma velha
que não sabia o seu lugar. Ela não tinha autocrítica. Uma velha horrorosa,
ridícula! E se achava uma menina...
O idílio a partir do primeiro depoimento fica
confirmado. Partia-se do universo das abstrações, dos desejos e das fantasias
de um homem apaixonado, para a sua efetiva confissão:
- Sim, Anna era minha mulher! A minha vida era
tranquila, até que Mércia se deu conta de que eu tinha alguém. Mas, eram tão
diferentes... Mércia tão prática, objetiva, decidida, realista, seca! Anna tão
romântica, tão sonhadora... Então?Como explicar esse
amor tão doido e desencontrado, se quem os vê confere que não combinam quase
nada um com o outro, quando estão separados, mas juntos criam uma terceira
forma de ser: nem a dele, nem a dela, mas um desempenho dos dois juntos num
novo jeito de ser, onde se recriam como se novos e outros fossem. Então, é
assim que ela passa a ter um jeito de sorrir que foi feito para o jeito dele
acolher. Forma insinuante que o deixa imobilizado, o beijo dela doce e
prolongado como são os dos jovens... Tão avassalador, como foi o primeiro beijo. Ele fica tonto se não se apodera da boca da amada, enquanto
ela adora e finge brigar porque está atrasado ou esqueceu-se do encontro
marcado. É ela quem briga e é ele que adora implicar, fingindo que se explica e
confundindo mais a cabeça dela... Já dizem até que foram feitos um para o
outro. Pois então... Isso tem nome parecido com o sentimento de amor.
As amigas
agora concluem: - Anna amava aquele cafajeste! A mulher dele acabou com ela,
isto sim! Também diriam muitos que leem sua história nos jornais, contrariados
ou invejando as grandes paixões que Jonas carrega nas costas. Tem um passado
negro, esse Jonas, como dizia a primeira das mulheres; um passado negro...
Culpado! Os homens asseguravam aflitos, querendo salvar as filhas e irmãs
daquela óbvia tragédia. Paixões por todas as mulheres que encontra; mulheres da
idade dela, mais novas, mais velhas, enquanto Anna vivia acreditando que
precisava dele para respirar. Ele dizia, com certeza que iria ligar e não
ligava, enquanto ela não saía do lado do telefone e a pouca juventude ia se
esvaindo vertiginosamente ao lado do aparelho mudo. Nele não havia pressa para
viver. Nunca saía com ela em lugares públicos... Ele escutava Ella Fitzgerald
em Sugar Blues e se emocionava e chorava como um menino, não sabendo muito bem
a razão... Ele tinha alguma aptidão para compreender as tristezas de Anna, mas
não poderia ser um príncipe encantado que viesse resgatá-la; mas ainda assim
ela não conseguiu desvencilhar-se dele. Ele ouvia saxofone enquanto ela
escrevia seus poemas; e aí sim passavam a ser aquela terceira pessoa tão
harmoniosa... Nem um, nem outro, mas aqueles dois que se davam tão bem. Os dois
juntos. Por que Anna amava esse cara? Não via que era um cafajeste?
Ah, o
amor, esse desassossego, esse mau presságio, essa maldição!... Ainda vai acabar
com sua vida, foi o que a amiga confidente sempre repetiu, pensando protegê-la,
antecipando a imagem do desfecho. Tanto que avisei!... Declarou para o
jornalista. Mas o amor acontecia independentemente de nós, ao acaso, por
empatia, por aflição, por desespero, por glamour, por bruxaria ou conjunção
estelar, não se sabia dizer; tenta entender a amiga. Ama-se por muitas razões
incompreensíveis: pelo cheiro que a pele do outro tem, e ninguém mais percebe;
pelos mistérios que dele vêm com os movimentos e os lábios, pela calma que o
outro lhe dá ou lhe tira, ou pelo tormento que o outro provoca. Ama-se pelo tom
de voz, pela maneira que os olhos se envolvem, pela fragilidade ou força que se
revela quando menos se espera. Ama-se, mas o amor é indefinível. Quando se ama,
ninguém se dá conta da própria idade... Jonas repetia para si
um milhão de vezes: ela se sentia tão jovem e feliz... Eu não queria que ela morresse!
Não era para ela ter-se apaixonado de verdade!...
É a menina de dentro que engana a mulher de fora. A menina de dentro
deu-se de parar no tempo e imaginar uma idade tanto tola, tanto generosa, tanto
eterna para si mesma. Parece que preferiu parar no viço que ainda lhe restava.
Mércia tinha dado o tiro certo, incitando-a todos os dias, desde que
descobriu o caso do marido. Ligava no meio da noite, gritando inúmeras vezes ao
telefone: - Você é uma velha! Não vê quanto está acabada? Acabada! Velha
ridícula! Ridícula! Toda esticada!... Assim também foi a última ligação feita
para o celular de Anna.
A menina de dentro deu-se de parar no tempo e imaginar uma idade tanto
tola, tanto generosa, para si mesma. Ouviu a mensagem de Mércia pela última
vez. Desligou o celular. Ligou o som e colocou sua música preferida: SZOMORÚ
VASÁRNAP. Abriu lentamente a caixa de calmante e engoliu um a um os comprimidos
minúsculos. Depois disso foi só o tempo de adormecer.
No Domingo Sombrio, mais uma
morte prosaica.
Suicídio! Declaravam os jornais em nota minúscula do dia seguinte. É o
que ficou definido, liquidando de vez o assunto. Não houve incitação ou
induzimento ao suicídio, como queria o promotor.
No dia seguinte a morte suspeita de um senador e uma modelo em quarto de
Hotel de luxo era a nova ocupação da mídia. O resto da mídia se ocupava das
eleições para presidente da república.
Mércia logo posou nua para uma revista masculina e a vendagem foi estrondosa.
Atualmente está cotada para o próximo reality show e fechou alguns contratos de
propaganda de cosméticos. É o tipo ideal para produtos de beleza. Parece que
guarda a juventude eterna. Namora um jogador de futebol da Espanha e vai
constantemente à Europa divulgar uma clínica de estética. Comprou um triplex no
Recreio dos Bandeirantes, uma casa em Angra dos Reis, um carro blindado e nunca
mais soube de Jonas. Quando se fala no assunto ela aprecia solenemente seu
Veuve Clicquot La Grande Dame 1995 e diz não saber de quem se trata. Ela afirma
categoricamente: - Era apenas um velho. E não suporto velhos!
É a menina de dentro que ilude a mulher de fora.
Autora : Valéria Áureo in Fragmento do livro - Do Secreto ao Indiscreto
Rio / 2008 - To: Anthea Claudia ( cantora lírica -soprano)