- Minhas queridas amigas, enfim estamos
pessoalmente reunidas. Saímos do campo virtual. Podemos nos conhecer e
organizar a nossa viagem, para a missão mais importante de nossas vidas. O
serviço de espionagem existe e ocorre em todo o mundo. Por mais que você não veja (o que
significa que está dando certo), ele é real. E depende muito de nós, chamadas
ingenuamente por “velhinhas do zap.” Vale relembrar: há vários momentos da
história da humanidade em que os espiões e espiãs foram cruciais para o desenrolar das coisas. E assim tem sido, principalmente em 2018, um ano
bem conturbado. Temos tido sucesso. Como sempre, quase
não conhecemos os casos de espiãs, porque muito pouco é dito sobre elas, ou
melhor, sobre nós.
- Ela não disse que ia ter discurso. Começou a
mandona do grupo! Não vou com os cornos dela!
- Então cala a boca e escuta. Toda informação é importante.
Deixa de ser ranzinza e invejosa.
- Vamos à chamada e basta levantar a mão direita. Melita Norwood, Christine Granville, Noor Inayat Khan, Virginia Hall, Nancy Wake, Josephine Baker e eu.
- Todas presentes!
- Alguma de vocês já
concluiu o curso de tiro?
- Era pra fazer? Eu juro
que nem sabia. Ninguém me avisou nada. Se bem que eu andei treinando muito com
pistola de cola quente, fazendo os chocalhos de garrafa pet e tampinhas de
garrafa para a minha neta. Fiquei com tendinite no pulso.
- Mas isso não vale, sua
doida! O assunto é sério. Tem que frequentar o estande de tiros.
- Eu fiz o curso e achei
muito divertido. Já estou com a mão mais firme do que nunca. Meu médico disse
que com a tremedeira do princípio de Parkinson nas mãos seria impossível, mas
ele não me conhece; quando eu quero uma coisa, ninguém me segura! Estou
tinindo! Nem o diabo me aguenta, dizia o meu marido.
- E você, rato branco?
- Não! Vou ter que fazer
a cirurgia de catarata primeiro. O oftalmologista garante que vou ficar com
olhos de águia com as lentes alemãs.
- Mas a missão é para
hoje, para ontem, não vamos esperar os remendos.
- Posso ficar na Agência,
na base de operações e no controle tecnológico. Tem um aplicativo com letras
bem grandes e posso ficar no zap atualizando para vocês.
- Vamos ver! Cada membro
ausente na missão é uma peça importante na nossa logística que faz muita falta.
Estamos escaladas para a segurança do nosso homem, o incógnito. Tudo depende de
nós. Sabem que há denúncias de um novo atentado.
- Por falar em logística,
vai ter comida de três em três horas? Eu tenho hipoglicemia. Se não tiver eu
não poderei ir.
- Vamos providenciar
isso. Anota aí, Dama Manca, que eu passo para o comando a sua reivindicação.
Bom, vejamos, todas já avisaram em casa que não ficarão para o Réveillon?
- Falei lá em casa e deu
o maior quiproquó. Minha filha disse que não tem festa sem o meu bacalhau. Meu
genro disse que uma velhinha não pode viajar assim, do nada, sem dizer para
onde vai! Estão dificultando muito as coisas. Vou ter que sair fugida!
- Agente secreto não tem
família! Primeiro vem a missão. Ou se engaja de corpo e alma ou dá o fora! Quem
não aguenta o tranco, pede para sair. Ainda dá tempo. Quem ficar vai ter que
dar o sangue. Eles é que se virem com a ceia deles; temos coisas muito mais
importantes para resolver! Aliás, já vou adiantando: chega de paparicar esses
marmanjos bobalhões: mamãe isso, vovó aquilo, bisa aquilo outro, titia me
socorre, mamãe olha como eu sou bonitinho! ... Estão criando um bando de frouxos!
Aqui não temos lugar para chororô. Chega de moleza!
- Minha filha é vegana!
- Meu neto não come
glúten!
- Lá em casa é tudo
alérgico! Não pode ter nada com alho!
- Ninguém faz o meu arroz
soltinho com passas e cenouras. Não sei como vai ser esse jantar!
- Eu faço a rabanada
todos os anos! Vão sentir minha falta!
- Bacalhoada é comigo!
Filha de português, já viu! A melhor bacalhoada do mundo! Quero ver como vão se
virar sem mim!
- Já falei que não quero
saber de frescuras! Não tem natal e nem ano novo. Eu só quero saber quem está
preparado psicologicamente, para integrar o nosso batalhão, que passará imperceptível
no meio do cerimonial. Quanto mais discretas, melhor! Uma sombrinha, um xale de
crochê de velhinha desprotegida, uma bengalinha, tudo serve como disfarce, para
comover as pessoas. Assim vocês entram em todos os lugares.
- Usar xale, com esse
calor?
- Exato! Vão pensar que a
velhinha está doentinha. E, muita atenção!
Não se esqueçam de carregar o celular e levar bateria sobressalente.
Quem tiver mais de um aparelho deve levar. A nossa comunicação não pode ser
interrompida um segundo sequer. Ajustem os relógios! Estamos juntas, velhinhas
do Zap?
-Todas juntas! Uhu!
- Partiu Brasília, dia primeiro
de janeiro?
- Partiu Brasília! Lá
vamos nós, querido Presidente!
Autora: Valéria Áureo
In: Entre Mentes e Corações
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