Apresentação

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quarta-feira, 29 de junho de 2016

Pequeno conto anacrônico






- Então, meu jovem? Cá estás! Foste recomendado pelo Olimpio Correa Netto, não é? Um ótimo cronista, meu jovem. Pois siga os passos dele e terás muito sucesso... Então! Demoraste. Vieste de longe, é verdade? O que desejas, afinal?Tenho pouco tempo livre.


- Vim de bem longe, com certeza. Longe no tempo e no espaço, com a cabeça no futuro. Vim ter contigo, à sombra do Coreto do Largo, pois 1918 é mesmo um ano bem quente. Foi só o tempo de um copo de água na Confeitaria do Camilo Dias e já estou aqui. A questão é a seguinte, Sr. Francisco Vieira de Siqueira, eu estou ocupado em fazer uma resenha sobre ti, meu amigo. Pena que me limitaram em lauda e meia, a estourar... Acho tão pouco; há tanto ouço falar de ti! Incomoda-me ver-te aí sozinho, tão preocupado, pensativo e vendo o tempo passar. São inquietações do espírito, não são? Está inseguro com a tua decisão? É isto que te absorve os ânimos? Não deixas de ter razão.


- Eu compreendo tua observação... Muitas preocupações sim. Mas não estou assim tão só; minha esposa Normélia tem sido muito compreensiva na minha decisão de tentar mais uma vez. Será a terceira e última vez que tento, posso te assegurar. Mas, escrever sobre mim? Queres fazer-me elogios? Eu cá cheio de dúvidas e medo de recomeçar com o Jornal. Sabes que já tentei outras vezes e  ele não vingou. Agora nem tenho assim tanta certeza se este sonho vai dar certo. Um Jornal, em uma cidadezinha de poucos leitores. Tenho que agarrá-los à força. Não sei como fazer...


- Pois tenho cá uma ideia: Coloca aí, bem na frente: “- ficarão considerados assignantes desta folha os cavalheiros que não devolverem o primeiro número até o dia dez deste mez”*. Coloca já na primeira publicação e vais ter uma ótima repercussão. Muitos haverão de assinar. O povo haverá de gostar do teu jornal, tenho certeza. As questões municipais e a administração pública interessam muito.


- E como podes saber? És um adivinho, por acaso? Não sei se é conveniente.


- Não sou adivinho, mas conheço bem o tempo e o que ele trará a ti.... Ora, o tempo é meu aliado... Começa pelo começo... E não te preocupes com o futuro. O povo haverá de entender o teu apelo. Posso te adiantar que tudo dará certo. Vai ser difícil, mas dará certo. Se tu soubesses o que eu sei iria ficar muito satisfeito e não titubearias um só instante. Mas, o que me aborrece é o limite do tempo e do espaço.O que poderei falar de ti em tão poucas linhas? Conto das dúvidas de recomeçar? Falo do retrato social em tuas reportagens? Falo da sempre efervescente política do Pomba? Não quero fazer uma biografia. Quero dizer dos teus sonhos e do que tu esperas com teu Jornal. Preciso me reorganizar e saber o que dizer nesta matéria. Que tal falar da esperança? Sem acreditar no sonho nada é possível.


- Dize que tentei depois de perder algumas vezes!Que tentei em junho de 1896, e em fevereiro de 1901. Agora em 1918 estou pensando em reabrir ao lado do meu filho Agenor. Dize que me tornei um arguto observador e analista psicológico das pessoas, para escrever sobre elas! Tornei-me um crítico social e político, sempre em busca da verdade dos fatos. Aos cronistas, colunistas e poetas eu deixei o espaço da ilusão. A utopia do tempo e o sonho... O tempo foi uma brincadeira... Uma ilusão! Como é agora. Não estamos cá nós dois a conversar?Eu acreditando na história de que tu vieste do futuro para me incentivar? Pois não vens ao passado, só para ter comigo uma prosa e me encher de esperança? Dize então, o que vai acontecer com o meu Jornal?Pode me dizer se vou ter êxito?


- Não sei se tu mereces um escritor tão sem prestígio quanto eu, para alentar a tua alma inquieta.... Queria ser um cronista de imaginação inesgotável para declarar à cidade a tua importância e a de teus filhos e netos. Mereces um autor de espírito e mais estudioso e com mais tempo para a pesquisa de tua vida tão empreendedora!....


- Anima-te, escreve como sabes! Hás de saber como fazer. Não deixes de arriscar. A vida é uma enorme loteria; os prêmios são poucos, já dizia Machado de Assis.


- Mas, escrever em tão poucas linhas? Sou um sujeito prolixo, dado a muitas ideias. Poderia dizer muito. Levaria meses escrevendo... Há particularidades que gostaria de compartilhar contigo. Há matérias fantásticas no teu Jornal: coisas fantasiosas como o petróleo em Rio Pomba... O Pomba, ou Rio Pomba... Como discutiram por causa do nome da cidade!... Fatos bizarros da administração municipal, o barulho dos carros de boi proibido por decreto, um possível campo de aviação de José Ferreira; o homem-antena, surdo-mudo e telepata; personagens das ruas, vendedores em suas carroças e o fim dos lampiões. O jornal dando conta da chegada da luz elétrica, do primeiro automóvel, dos serviços de táxi, do primeiro caminhão e do ônibus; a chegada do telefone, da televisão. Noticiará fatos que te deixarão triste, como a Segunda Grande Guerra Mundial e o racionamento de combustível em nosso município; a guerra fria entre os Estados Unidos e União Soviética, os conflitos mundiais, as crises econômicas; Getúlio... a política, os prefeitos, os times de futebol, as rixas... os presidentes, os regimes de governo. A sucessão em O imparcial: José de Assis e Carmen Lúcia; Padre Calixto... a chegada do Padre Gallo, a Santa Lola, o homem na Lua. O progresso com as inúmeras fábricas, os anunciantes, os reclames; os Bancos, os Colégios, a Santa Cabrini; o Clube dos Trinta, o Ginásio e o Torneio de Férias; as alianças políticas, os partidos, a Escola Agrícola, os Cinemas, o Pombense, o América, a Ponte; as misses, os carnavais, o asfalto, as enchentes, os bairros, a televisão, os estudantes, as Igrejas, o Papa; os nascimentos, formaturas, casamentos, óbitos... Tanta coisa para te contar em pouco espaço. Mas o pouco tempo e o espaço me intimidam a imaginação e me desordenam as ideias... Temo me perder, extrapolar o limite da lógica dos acontecimentos e das sessenta linhas... Podes me compreender? Deixo de falar do editor, colunistas, cronistas, articulistas, comentaristas, colaboradores... Tanta gente! Não tenho espaço para falar deles.






- Limita-te, portanto aos fatos! A ordem deles já não me importa mais. Respeita as exigências da editora! Dize simplesmente que rumos tomou O Imparcial. Afinal, vai dar certo? Não suportaria um novo fracasso. Nem eu e nem minha esposa, que me apoia em tudo, poderíamos suportar.


- Ora, tu e tuas indagações. Pois posso te assegurar: não tenhas medo de fracasso e vá em frente! É difícil falar de ti e de teu Jornal, estando na tua presença, mas as notícias que te trago são muito boas. O ano de 1918 será o teu grande passo. Uma coisa eu te asseguro: O Imparcial completará cento e vinte anos, sob a direção de sua neta Carmen Lúcia. Tem alguma dúvida de que dará certo? Pois então, trata de dar prosseguimento ao projeto! O ano de 2016 te espera. Ao trabalho e mãos à obra!


- Pois se vai dar certo fico muito feliz e vou em frente. Conta a ela de minha alegria e dou-me por satisfeito; Fiz o que pude. Não te preocupes, meu caro rapaz, a respeito de tua resenha. Fala somente a verdade. E termina logo essa narrativa, pois já estás a estourar os limites da folha!... Não te alongues tanto; assim não te consideram o trabalho, nem te publicam.


Valéria Áureo

22 de maio de 2016 

 *Conforme a ortografia da publicação original.


· Fonte: Cem Anos-luz. O Imparcial 1896-1996 de Roberto Nogueira Ferreira


Texto publicado em O Imparcial em 25 de junho de 2016. Edição comemorativa dos 120 anos de O Imparcial