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terça-feira, 11 de agosto de 2020

Emaranhados e intrigas


Ela falava pelos dois, como sempre soube fazer. Na maioria das vezes ela sorria para ele. Ele também sorria, acolhendo-a de volta com alegria. De uns tempos pra cá, ele parecia calado, e ela tagarelava. Ela dava movimento e vida a tudo; dava vazão aos mais íntimos pensamentos com a naturalidade de uma jovem plenamente feliz. Nunca se preocupou em se proteger dos inimigos e nem sabia que eles existiam, embora alguns a alertassem.
Ele sempre tinha expectativas, mas as mantinha discretamente guardadas na tíbia luz do quarto, onde passava a maior parte do tempo. Também sabia como usar as decepções a seu favor. Bastava calar-se! Tão acomodado era na sua calma forma de ser, e na sua confiança nela, a sua querida, que a poltrona o sugava como um redemoinho, fazendo uma moldura de proteção ao corpo desgastado. Tudo se resumia em deixá-la falar o quanto quisesse, para desabafar, para compreender e chorar, para externar seus sentimentos, enquanto ele absorvia o mínimo (aquilo que ele realmente não podia dispensar). Ele calou-se, por completo, em certo tempo da vida. Tudo tinha sido dito e se dava por pacificado em seu espírito. Além do mais, sabia que para ela havia sempre um recurso infalível: em caso de emergência, abra o vidro de calmante (ou quebre), porque ali morava a sua maior segurança.
Ela, por sua vez, jamais permitiria que soubessem que tinham atingido duramente o seu coração e destruído a sua paz de espírito. Como tinham sido covardes! Era notório que o amor dos dois, desde a eternidade, mesmo depois de tantos anos, desencadeava uma grande inveja. Ela sabia-se alvo da invídia e tentava proteger-se dos maledicentes. Usava seu sorriso e sua empatia, para dar o apoio a todos os desequilibrados que desestabilizaram o seu dia e fizeram sua vida um inferno. Isso, de ela dar-se, generosamente aos que a ameaçavam, a ofendiam e a magoavam, os fazia mais humanos, mesmo sendo tão cruéis e diferentes dela. Com resignada bondade ela os transformava em seres humanos, menos animais, a ponto de poder lhes confiar (inocentemente) milhões de dólares. Confiança nos inimigos, escamoteados em amigos, tão sólida quanto o firmamento e a verdade que foram capazes de deturpar, por sordidez, para destruir aquele invejável amor, que nunca poderiam ter.
Ela, erguia-se altiva, caminhando pelo rastro de maledicência, sem se corromper com a maldade. Continuava boa, amigável, inocente, apesar de tudo, apesar de lágrimas, de mãos dadas com ele. Eternamente com ele.
A verdade sob os rumores nunca vieram à tona, mas ela sobreviveu. Ele sobreviveu, no jeito silencioso, e o amor dos dois também foi incorruptível.
Agora, no emaranhado desse amor da idade da compreensão e da maturidade (que ainda desperta inveja), finalmente podia respirar entre alguns poucos amigos que a fizeram melhor e a ajudaram a suportar as dores. Tudo tinha servido para que amadurecesse precocemente.
Um dia ainda escreveriam sobre o seu infortúnio. Os nomes dos danosos e maledicentes algozes dessa trama nunca seriam revelados, mesmo porque sempre se esconderam na penumbra, nos subterrâneos da Deep Web. Nunca se soube dizer quem eram (ou quem são!)

Autora: Valéria Áureo