... Estou esperando um
milagre; um daqueles pequeninos, que servem para ajustar a vidinha, sem muitas
complicações. Um milagrezinho jeitosinho, que tenha o jeitinho da cidade natal,
cheio de delicadezas e pureza de alma. Um milagre bem pequeno, que caiba no
bilhetinho, na novena, na receita do bolo, nos respingos da chuva, na birra da
criança e que não caiba no grande jornal, cheio de mentiras e hipocrisia; um jornal honesto, comprometido com a verdade (por ser coisa de gente da terrinha). Estou
aguardando um jornal que me traga aromas dos campos.
Assim foi, assim tinha
sido até então, e assim será: o indefectível noticiário das metrópoles me
enlouquecendo e o jornal da cidade do interior de Minas Gerais, com aromas de
café, me confortando. Assim sempre foi O Imparcial!
Nessa madrugada, eu
acordei mais cedo do que todo mundo e revivi domingos interioranos, abrindo
todos os pacotes de esperanças sob a árvore, prestes a ser desmontada depois
das festas. Foi quando me veio a notícia de seu fim. O fim do jornal da cidade
do interior, da zona da mata mineira. Retirei as luzes, os adornos e as
expectativas de ano novo com prosas poéticas, crônicas, poesias e contos. Depois
me deixei ficar no tapete da sala, abatida e incrédula, confiando que teria
sim, um milagrezinho daqueles bem especiais, na minha caixa de
correspondências. Bem ali, onde me chega O Imparcial.
- Ah! Mãe, por que você
abre tantas e tantas vezes a caixa de correspondência? Toda hora que sai, e
todos os dias? Na ida e na volta, você pega a chave, se detém diante do espelho
da portaria, olha para a rua movimentada e abre a caixa; não tem muito sentido,
não acha? Já notou que isso é uma mania esquisita? Acho que pode ser TOC!
Ah! Minha filha não
sabe do que vai no meu coração provinciano, quando abro a caixa de
correspondências na esperança de encontrar o companheiro constante de minha
juventude e maturidade - o que me acalentou tantas vezes. Eu abro a caixa de correspondências
e bem ali, acontecem todas as mágicas e encantamentos. Abro mil vezes, no afã
de ter em duplicidade (na ida e na volta) as surpresas do que está escrito (por
mim e pelos outros). Se eu o encontro quando eu saio de casa, folheio, faço uma
vistoria apressada com um sorriso e o deixo ali, até que eu volte. Ele ali,
quieto no escaninho, e eu pela praia, imaginando o que terá de auspicioso. Na
volta eu o retiro e o carrego para casa, já começando a leitura no elevador. E
assim tem sido e eu imaginava que seria para sempre.
No Imparcial eu
escrevia, para ficar mais próxima de minha infância e mocidade. Escrevia para
ficar bem mais plena de aprendizado e de ensinamentos. Escrevia para conversar,
mesmo de longe e deixar (para depois de minha morte) alguns poemas de amor ou
de (des) conforto, registrados em minha biografia. Escrevia para expurgar todos
os males (os meus e os dos outros) em catarse e lágrimas, e para comover alguns
e conquistar outros. Escrevia para desafiar, para provocar reflexões. Escrevia, ora por instinto, por suicida audácia, por
atrevimento e por desmedida coragem e confiança. Escrevia por humildade, ou por
jactância e orgulho. Escrevia buscando a eternidade de um único dia (sempre aos
domingos), mesmo que no outro domingo as minhas palavras escritas fossem
empapeladas no piso de uma gaiola (de um pássaro que eu desejaria liberto), ou
mesmo que fossem embrulhadas em uma quitanda de verduras, bem na pracinha, ou
na rua em que nasci. Escrevia, na esperança de que alguma alma gentil e amorosa
dissesse que lhe fizera bem ler uma crônica de minha autoria, que se sentiu
reconfortada, ou riu, ou chorou. Escrevia para me lembrar da cidade e das
pessoas com as quais eu cresci, estudei e das quais me separei. Escrevia para me
esquecer de que tinha deixado para trás a mãe, o pai, os irmãos, e para fazer
esquecer das mágoas e aplacar queixas. Escrevia para dar voz aos mortos e calar
os vivos. Escrevia para abrandar a solidão dos sozinhos, como eu!
No Imparcial eu copiava
as estrelas dos céus e seus enigmas; eu replicava suas mensagens secretas e
tudo eu revelava aos que sabem e gostam de ler. Havia uma expectativa de
entrega absoluta às estrelas, aos sonhos, à esperança, à poesia. Escrevia
porque havia estrelas demais na noite escura e, apesar da noite triste, ali eu
me encontrava a brilhar um pouquinho.
Depois de dois
centenários O Imparcial sai de circulação; é uma estrela que se apaga nos céus
de Rio Pomba.
Autora: Valéria Áureo
20/ 01/ 2019