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sábado, 14 de março de 2015

ENEM me explica?



                                                    Ilustração: Internet

          Organizando meu material literário tive a grata surpresa de encontrar documentos de meu primeiro prêmio literário, concedido pelo Âmbito Cultural Professor Joaquim Carlos de Sousa; datado de 21/9/1971. Lembro-me que a minha participação no concurso literário do Dia da Árvore foi uma iniciativa de minha professora de Português e Literatura, Madre Adeodata, a quem reverencio como um diamante raro que brilhava no universo acadêmico do Regina Coeli de Rio Pomba. Posso dizer que tivemos a melhor entre os melhores.
          Além de aulas de português, francês, literatura, nossa mestra ainda se incumbia de aulas de Moral e Cívica e de pesquisa orientada; trabalho a que ela se entregava todas as tardes na Biblioteca daquele educandário. Eu estava com dezessete anos e a minha timidez fez com que a professora, dedicada e atenta, apesar de minha relutância, inscrevesse meu texto em uma competição promovida pela Escola Agrícola de Rio Pomba. Uma disputa entre os colégios da cidade. Havia autores de outras instituições: alunos do Ginásio Estadual Professor Borges de Moraes, da Escola Agrícola e do Regina Coeli. Fazer jus ao primeiro lugar do certame e receber o prêmio das mãos do Dr. Geraldo, então Diretor da Escola Agrícola, e ler meu texto para o público, abriu-me os olhos para um sonho: quero ser escritora!
          Logo que vim ao Rio de Janeiro, dois anos depois, ingressei na Universidade Santa Úrsula e me dei conta de que eu tinha recebido o melhor em educação acadêmica, chamando a atenção de mestres e colegas, pela facilidade com que acompanhava as aulas e entabulava considerações com os professores. Quando me perguntavam se eu tinha feito algum estudo fora do país (minha professora de linguística Mirian Mata Machado insistia em saber se eu tinha estudado na França) eu dizia que tinha estudado no Regina Coeli de Rio Pomba, uma cidade da zona da Mata de Minas Gerais. Todos achavam graça no nome da cidade (diziam Pombá, afrancesando o nome) e eu seguia confiante nos meus estudos, sem me abater. Os créditos de meus conhecimentos eu sempre conferi à minha dedicação, ao Regina Coeli e à minha inesquecível professora Madre Adeodata, de cultura apreciável.
          O que mais posso falar sobre ela, além do ser humano especial e eleito por Deus para ser freira (dada a Deus, é o significado de seu nome) e professora amorosa e competente? Reputo à sua metodologia de ensino o meu sucesso, somados à minha percepção de que eu tinha a melhor professora do mundo e devia aproveitar. Assim, era natural e muito bem aceito fazer redações semanais, cópias, diários nas férias, deveres que implicavam em constantes pesquisas na Biblioteca do Colégio, onde ela estava sempre presente a nos orientar. Sim, meus jovens, tínhamos pesquisas constantes às enciclopédias, seguidas de cópias intermináveis; tínhamos deveres de matemática e português nas férias de julho. Tínhamos que resolver cem problemas de matemática, que eram passados pela saudosa Dona Geny e cobrados no primeiro dia de aula do segundo semestre; tínhamos que escrever o diário das férias, passado pela professora de português. E nada era visto como sobrecarga ao aluno que hoje (com o auxílio da Internet) se sente cansado, extenuado com uma tarefa. Ele não dá conta de seus deveres, nem mesmo se dá conta da necessidade e da importância deles. A explicação para o sucesso dos alunos de outrora é natural: aprende-se a andar de bicicleta, andando de bicicleta; aprende-se a nadar, nadando. Só se aprende a escrever, escrevendo.

          Hoje tudo se resolve com poucas palavras, porque o tempo minimizou os textos e a vida. Devoram-se as vogais e as palavras se resumem em incompreensíveis códigos e letras sem sentido... Sei! É preciso atualizar-se e acompanhar os avanços. Em poucas palavras, ou quase nenhuma, à moda dos jovens, vou tentar resumir: “tá difícil”. Já me conhecem, sou prolixa e me sentiria sufocada sem as adoráveis palavras e seus encantamentos de desenhos no ar, frutos do espírito criativo e da inspiração. Hoje, entre os jovens, a escrita está restrita ao Facebook, às mensagens nos celulares, num mundo paralelo  que vive com seu código secreto, sob o império do escárnio, do deboche, do desrespeito; está resumido ao maniqueísmo que se estabeleceu no embate do Bem versus Mal, em todos os setores, sem possibilidades de argumentação e audácia criativa. Ali cada um se julga o porta-voz do Bem. Ou se ama, ou se odeia e não há espaço para arguições e ideias.


        O que faltou para grande número de inscritos no Enem? Faltou a Educação à moda antiga. Faltou o aprender a fazer, fazendo... Faltou ao aluno arar, lavrar a terra, plantar e finalmente colher. O tema que abordava a publicidade infantil, dizia respeito à vida deles. A criança é o verdadeiro objeto e foco das campanhas publicitárias. Foi grande a dificuldade de se compreender a proposta do tema e falar a respeito com sucesso: a publicidade visa a atingir a criança e ao jovem que ainda não sabe diferenciar o conteúdo, da propaganda. Para ele tudo é uma coisa só. É a propaganda subliminar que os transforma em pedintes: pai!... Compra! Mãe!... Compra! Eu quero isto, eu quero aquilo. Sem que saibam, tornam-se os agentes mais ferrenhos do mercado de consumo e se tornam consumidores vorazes. Cria-se a geração de grandes consumistas embalados pelas propagandas “embutidas” no conteúdo. Eles se tornam algozes dos pais que, na maioria das vezes, não podem lhes dar tudo o que veem; e aqueles que podem, não devem. E fazem bem em não dar.
          Não se desenvolve a boa conversa, a bela escrita, o bom diálogo sem exercício e sem vontade de aprender. O saber exige investimentos contínuos e uma boa lavoura, constante e para a vida toda. O que se vê  normalmente é que tudo se resume a um amontoado de letras, digitados velozmente, constituindo um vocabulário que foge e fere o discurso formal. O resultado de todo este comodismo verbal, desta inércia mental, da lei do menor esforço linguístico, da informalidade, está revelado nas notas de redação, que avalia nossos estudantes. É preciso escrever, escrever e escrever...
          Saudações, Madre Adeodata, que me abençoou com aulas brilhantes, com exercícios constantes de redações; curiosidade, pesquisas, muito trabalho e grande amor à flor do Lácio.


Valéria Áureo
31/01/2015