Apresentação

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quinta-feira, 1 de junho de 2017

Retórica da Insensatez


- Então, senhor Demóstenes, recebi seu recado. Está mesmo querendo contratar um assessor de imprensa? Um professor, um orientador? Algum problema?
- Não é bem assim, um problema! Não se trata de problema; agora eu me tornei um homem de soluções. Fui eleito, não fui? Eu quero que me ajude com os discursos. Não quero ficar mal na tribuna. Tenho que prender a atenção de meus pares, assim que tomar posse. Estou muito excitado e querendo começar logo o meu mandado.
- Mandato, excelência, mandato; mandado é ordem judicial! O senhor agora tem um mandato a cumprir. O senhor quer uma orientação, quer que eu os redija, o que deseja realmente?
- Quero que os escreva para mim. Gosto de belas palavras. Quanto mais difíceis, melhor! Quero ficar à altura deles.
- Poderemos escolhê-las juntos, conforme o teor de seu discurso. Sabe que tem que compreender muito bem o que diz, não é? Afinal, vai falar para todos. O senhor tem que ser claro e bem objetivo. Sou um redator sério. Meu nobre Senhor Demóstenes, o que deseja, então?

- Quero discursos bonitos. Daqueles que colocam o sujeito lá no alto, cheio de orgulho e palavras... deixa ver...  abstrusas. Quero falar bonito. Um discurso pulcro! Até agora eu me limitei a falar de sentimentos e sensações por mim vividos na minha pequena cidade. Linguajar humilde, entende? O povo é simples e eu me saía bem. Para ser sincero, dava para enrolar e eles nem percebiam. Ninguém entende nada mesmo, não é? Aqui é pouca a exigência e me foi bastante o que aprendi no ginasial. Mas, na capital... São poucos os atrativos que eu posso demonstrar na capital. Lá todos tem uma vida maravilhosa, pelo que deu para sentir. É viagem, é jatinho, é hotel, é restaurante! Os meus sentimentos não são comparáveis qualitativamente ou quantitativamente com os de ninguém mais; foram tão somente experiências pessoais únicas na simplicidade. Acontece que só vivi no interior, compreende? Uma vida modesta, sem muita coisa bonita para alardear. Vou viver uma revolução, que é sair de uma cidadezinha e não outra coisa, através dos meus sentidos de cidadão humilde e não pelos de outros bem mais preparados... Senti na pele as minhas dificuldades da profissão e das necessidades dos meus clientes. Naturalmente condicionado pela minha história e origem sociológica, sou um sujeito simples, mas agora eu sou um deputado recém-eleito, um homem público!... Não quero que faça muita diferença com os outros, os meus eleitores, mas quero experimentar esta sensação de ser tratado como autoridade, excelência, doutor, entre os demais. Quero ser igual a eles. Ouvi falar que tem aqui um especialista em discursos; o tal de professor Tobias. É isto o que eu quero. Um especialista muito bom com discursos. De resto no meu texto assumo a benignidade da revolução grosso modo, de um ponto de vista racional e pragmático. Sou objetivo, mas para fazer elogios eu preciso de um sujeito meloso, cheio de riquezas dos  dicionários. De resto eu dou conta de um discurso garantidamente democrático e grandioso. Como prova disso, eu lhe digo como terminarei a minha fala: recebam lá estes cravos escolhidos a preceito!...
- Não entendi muito bem... O que quis dizer com isto? ...”cravos escolhidos a preceito”?
- Ora, sou um defensor intransigente da família, da moral, da ética; um democrata, sem preconceitos, que oferece flores.
-Mas, coube tudo isso na sua fala? E onde cabem esses cravos escolhidos, do seu discurso?
- Ora, em todos os lugares! Em todos os meus discursos cabem flores. Sou um homem pacífico, por natureza.
- Está querendo fazer elogios?
- Sim, elogios, meu caro! Discursos elogiosos, porque não vou para lá para arranjar inimigos. Quero discurso de exaltação, consagração, glorificação. Quero fazer alianças!
- Pelo que eu estou entendendo o senhor se refere aos panegíricos! Às odes...
- É esse o nome? Os panegíricos, odes? Gostei muito disso. Pois então, me faça os panegíricos e as odes. Panegíricos em todas as sessões em que eu discursar.
- Tem certeza? E "esses cravos escolhidos a preceito", em todos os seus discursos?
- Pois é! Mantenha em todos os panegíricos e odes. Os cravos não podem faltar, pois eram as flores preferidas de minha mãezinha morta.
- Aí, meu caro deputado, já é questão de se fazerem as elegias!
- Elegias? Que beleza de palavra! Combina muito bem com eleição, não é? Eu elegia, tu elegias... Meu povo me elegeu! Pois então! Abandone os panegíricos e promova as elegias! Elegias de todo jeito!
- Ah! Muito bem! Escolheu bem! Elegias bem fúnebres e tristes! Isto sim combina com os cravos, deputado. Com os cravos de defunto!

Autora: Valéria Áureo
31/05/2017