Apresentação

Total de visualizações de página

quinta-feira, 1 de agosto de 2019

Quando eu os visito (No Azul Majorelle)



                         Ilustração: Fonte - Internet



Éramos amigos; uma dezena, uma centena de amigos ajuntados pela vida, pela sorte e pelo acaso. Vindos de todas as direções, nos encontramos em um momento notável da vida e coexistimos por alguns anos na Universidade. Pouco ou quase nada sabíamos uns dos outros e nos dávamos muito bem assim. Convivíamos apenas nas melhores situações. Quando tínhamos mágoas e amarguras, não era comum que nos falássemos. Cada um se recolhia no seu canto, se ausentava por longo tempo e tudo seguia de forma natural.
Um dia tudo se transformou. Cada um abocanhou sua sorte, tomou seu rumo e nunca mais nos vimos. Também pudera! A vida tinha seguido em frente, sem nos dar chances de nos conhecermos profundamente. A juventude nos fazia levemente triviais.
Vez ou outra eu reencontro alguém desse tempo, mas é sempre um abraço pequeno, muito discreto e morno e pouquíssimas palavras.
Certa ocasião eu reuni todos eles em um evento: um salão iluminado no eterno azul de Majorelle, em Marraquexe, no Marrocos. Todos tinham envelhecido e deviam ter muitas histórias para contar. Nós refizemos a amizade daquele saudoso tempo, com a mesma brevidade de um relâmpago, porque nos reconhecíamos imediatamente nas risadas. O mais estranho nisso tudo é que, quando eu os visito, ainda hoje, eles se escondem e não falam nada: camuflam o que leem, o que escrevem, o que pensam, o que são, o que continuam conspirando, e o que desejam contra o país. Cada um persiste em manter seus segredos sob os mantos escarlates, sem renunciar às conversas triviais e alegres e sem abrir mão das vesperais de vinho. Talvez a minha franqueza tenha corroborado para esse distanciamento. O meu apreço extremo pela verdade os afastava e os encobria com o manto sombrio do silêncio; eu finalmente me dei conta. E nem o azul ultramar/cobalto simultaneamente intenso e claro, com que Majorelle pintou as paredes da sua vivenda, e todo o seu jardim, para fazer um quadro vivo e eterno, os convenceu a se abrirem e falarem as verdades.

O Jardim Majorelle em Marraquexe, um oásis onde as cores de Matisse se misturam com as da natureza, me fizeram mais esperançoso e otimista, desde então. Sou ainda mais verdadeiro, pois eu me sinto completamente livre daqueles segredos sangrentos e vermelhos, ocultados pelos amigos a vida inteira; eu me sinto à beira do céu, completado e sereno nos braços de Deus.

Autora: Valéria Áureo

In: Entre Mentes e Corações