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quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Prêmio UFF 2013 - Crônica - Os olhos verdes...






         Os olhos verdes de Maiara desmaiaram na palma da mão do frentista, por acaso... Indiferença dela, como se nada visse, nem mesmo o trânsito pesado, enquanto as linhas das mãos dele tentavam embaraçar, enredar o olhar dela em teias de aranha. Tentava isso, movimentando-se aflito, só para comprometê-la na trama dos seus sonhos... Ele é quem acabou ficando preso, retido em aromas dos campos dos olhos tão claros e boca perfumada de anis. Depois que a viu, esbanjando olhos para todas as direções, soube que a amava sozinho, porque a beleza dela era o que ninguém podia perceber. Era tanta, que ninguém mais podia interromper aquilo tudo que ele via, enquanto Maiara estacionava o carro. Ele achou que o mar nem era tão verde assim, porque em dias de chuva, bem que ele se confundia com o cinza de sua solidão. Ela era toda assim, esperança instantânea tomando lugar da luz dos faróis acesos e do destino dele. Era de perder o juízo, condenado ao juízo final, porque até pecaria em companhia dela, que realmente era mulher de fazer qualquer um perder a vontade de viver. Aceitava morrer sem absolvição... O amor reprimido, inventado naquela noite de segunda-feira, improvisava uma tristeza sem explicação e o fazia ter medo de voltar para casa, perder o rumo e não ter mais ela. Ela era mesmo mais que o mar. Eram mais verdes os seus olhos, onde o frentista desesperadamente acabava de capitular... Mas o mar era mesmo bem pouco, bem pequeno diante dela. Havia um naufrágio íntimo, prestes a acontecer. Porque era certo que ele morreria naufragado em procelas, vítima dos desejos dela, se ela quisesse, escravo para toda vida, sem poder dizer que não... Não podia deixar desabitada aquela praia em torno dela, porque não havia salvação, nem ele queria mesmo ser resgatado. Melhor morrer nos braços dela, que lhe daria o beijo da vida, se ela quisesse, no boca- a- boca, antes de morrer no afogamento do mergulho final.
         Maiara pediu laconicamente que o frentista enchesse o tanque, calibrasse os pneus, lavasse os vidros do carro, e nem viu o rosto dele. Não pôde sentir que o coração do moço era açoitado por uma crescente aceleração, porque ela era mais linda que tudo, enquanto a água refletida escorria pelo rosto atrás do pára-brisa e as gotas cintilavam nos lábios dela. O frentista quis que ela visse o que ele via, só para saber o quanto resplandecia nos milhões de células de água, repartindo os olhos em mil fragmentos de esmeralda; quis que ela visse o quanto ficava linda, adornada e dividida pelos sentimentos dele. O que a fazia linda era mais o que ele sentia nos quinze minutos do dia em que ela parava para abastecer... E ele abastecia a alma de planos e sonhos, calibrando o coração descompassado no ritmo da voz que nem ousava um cumprimento de “boa noite”. Perdia a fala, ficava bobo e mudo, imaginando um encontro... Mas eram os olhos dela, que erravam de destino, que não riam nem choravam, mas faziam calar a sua boca. Ele continuava bobo e mudo e os olhos dela não diziam o que sentiam, nem viam o que deviam ver. Eram duas incógnitas ígneas, mesmo que fosse dia, quando se escondiam nas sombras do ray-ban e tédio.
        Maiara entregou para o frentista o cartão de crédito e ele ainda bobo e mudo esperava a senha do coração dela; ainda bobo e mudo acreditava que os olhos dela eram mais lindos que as violetas estampadas na íris de Lis Taylor. Ela deixou uma gorjeta e o desdém silencioso para o frentista. Ele nem queria dinheiro; queria um olhar, um sorriso ao menos, só para ter do que se lembrar no resto do dia... Mesmo assim, esmolando um olhar, estendeu a mão para devolver as chaves e o Credicard, não acreditando que ela ia embora sem ver. Foi aí que ela pôde olhar para ele e ver as unhas curtas contornadas de graxa, o macacão manchado de trabalho e óleo e a expectativa de ser visto sem o emblema do posto, sem o suor cheirando à gasolina, sem a flanela despencando do bolso de trás. Tudo muito inapropriado para um encontro de amor...
         O que ele queria mesmo era ter uma flor na lapela, ser dono do seu pensamento e poder dançar e carregar para sempre o olhar daquela moça. Ah! Se ele pudesse encontrá-la, levar um buquê de rosas...       
        De humanidade nela, só mesmo o seu jeito distante de tomar um café expresso, olhando para o infinito; gesto impassível de acender mecanicamente um cigarro. Ligar o motor do carro. Ajeitar indiferentemente os cabelos, no desencontro dos olhares, enquanto ele sofria. 

Valéria Áureo
17/¹²/2013


Categoria: crônica- Prêmio UFF de Literatura 2013- Vinicius de Moraes 100 Anos
Antologia de textos premiados- Poesia- Crônica- Conto; página 104- Editora UFF.