Tudo o que
Antonio tinha era a sua dor, desde o dia em que ficou só. Não queria se livrar dela,
a sua dor, mesmo que todo o resto estivesse destruído. Em volta de si só havia
escombros provocados por um bólide. Ela, a sua dor, era a única que lhe fazia
companhia e ocupava todo o ar vazio deixado pela mulher. Ela o entorpecia!
Não, não...
Havia outras coisas, que poderiam ser muitas, centenas, milhares a lhe fazer
companhia como perseidas. Ele tinha uma coleção de palavras. Entre tantas ele
poderia escolher aquelas mais novas, que preenchessem o nada com inspiração
etérea; quem sabe escolheria uma palavra diferente a cada dia; precisava
descartar: bruno, taciturno, mórbido, sorumbático, pois estas o deixavam
acabrunhado e vergado, sem coragem para reagir no luto. Ela é a escuridão!
Antonio sempre
foi um excelente conciliador das negociações de paz entre o casal, porque era
muito fleumático e inspirava serenidade. Era transparente. Muitas palavras, mas
sempre em tom baixo. A mulher sempre tinha sido afeita aos arroubos e
arrebatamentos da linguagem. Não usava palavras em profusão, como ele; ela
gritava. Chega! Chega! Chega! Gritava ela diante da prolixa alma do marido
amante das palavras ternas. Ele falava muito, mas era silêncio. Ela falava
pouco, mas era tempestade... Ela é o rancor!
Agora nem
esse exercício existia, porque tudo seria um monólogo. Sem as palavras macias e
mornas ditas a ela, Antonio sentia-se letárgico. Nenúfares... Sempre gostou
dessa palavra. Queria que a mulher fosse
um nenúfar dando flores na superfície da água. Ele a ouvia, apesar dos gritos dela
e tantas vezes ele disse a ela: calma! Calma! Calma!... Ele só se irritava com a incapacidade dela para
tomar partido e atuar, em qualquer circunstância, com sabedoria e vocabulário!
Não sabia se ela era indiferente, ou se, na verdade, era só temperamento. Bom,
disse para si, isso é passado. Agora ela é o silêncio eterno!
Para
salvar-se ele precisaria de uma nova coleção de palavras fulgurantes... E que o
passado ficasse para trás.
Ele tomou gosto pela sedução de palavras não pronunciadas.
Buscou uma palavra tão luminosa, reverberante, que não se apagasse, de jeito
nenhum. Ele passou a querer mais palavras incandescentes, de neon, claras e
quentes. O alcance delas ia além de sua cabeça e o erguiam como guindastes
invisíveis. Ele sentia falta de luz e agora voltava a sorver o ar com
sofreguidão.
Enfim,
daria fim ao silêncio, pois o silêncio era ela. Bastaria uma só palavra para
desencadear o turbilhão delas levando ao novo mar de ternuras em suas vertentes
abissais.
Trouxe à
tona a palavra amor. Uma forma de ter esperança com poucas e com todas as
palavras. Amor! Indubitavelmente!
Autora: Valéria Áureo
Autora: Valéria Áureo