Apresentação

Total de visualizações de página

sábado, 15 de abril de 2017

Indubitavelmente






Tudo o que Antonio tinha era a sua dor, desde o dia em que ficou só. Não queria se livrar dela, a sua dor, mesmo que todo o resto estivesse destruído. Em volta de si só havia escombros provocados por um bólide. Ela, a sua dor, era a única que lhe fazia companhia e ocupava todo o ar vazio deixado pela mulher. Ela o entorpecia!

Não, não... Havia outras coisas, que poderiam ser muitas, centenas, milhares a lhe fazer companhia como perseidas. Ele tinha uma coleção de palavras. Entre tantas ele poderia escolher aquelas mais novas, que preenchessem o nada com inspiração etérea; quem sabe escolheria uma palavra diferente a cada dia; precisava descartar: bruno, taciturno, mórbido, sorumbático, pois estas o deixavam acabrunhado e vergado, sem coragem para reagir no luto. Ela é a escuridão!

Antonio sempre foi um excelente conciliador das negociações de paz entre o casal, porque era muito fleumático e inspirava serenidade. Era transparente. Muitas palavras, mas sempre em tom baixo. A mulher sempre tinha sido afeita aos arroubos e arrebatamentos da linguagem. Não usava palavras em profusão, como ele; ela gritava. Chega! Chega! Chega! Gritava ela diante da prolixa alma do marido amante das palavras ternas. Ele falava muito, mas era silêncio. Ela falava pouco, mas era tempestade... Ela é o rancor!

Agora nem esse exercício existia, porque tudo seria um monólogo. Sem as palavras macias e mornas ditas a ela, Antonio sentia-se letárgico. Nenúfares... Sempre gostou dessa palavra.  Queria que a mulher fosse um nenúfar dando flores na superfície da água. Ele a ouvia, apesar dos gritos dela e tantas vezes ele disse a ela: calma! Calma! Calma!...  Ele só se irritava com a incapacidade dela para tomar partido e atuar, em qualquer circunstância, com sabedoria e vocabulário! Não sabia se ela era indiferente, ou se, na verdade, era só temperamento. Bom, disse para si, isso é passado. Agora ela é o silêncio eterno!

Para salvar-se ele precisaria de uma nova coleção de palavras fulgurantes... E que o passado ficasse para trás.

 Ele tomou gosto pela sedução de palavras  não  pronunciadas. Buscou uma palavra tão luminosa, reverberante, que não se apagasse, de jeito nenhum. Ele passou a querer mais palavras incandescentes, de neon, claras e quentes. O alcance delas ia além de sua cabeça e o erguiam como guindastes invisíveis. Ele sentia falta de luz e agora voltava a sorver o ar com sofreguidão.

Enfim, daria fim ao silêncio, pois o silêncio era ela. Bastaria uma só palavra para desencadear o turbilhão delas levando ao novo mar de ternuras em suas vertentes abissais.

Trouxe à tona a palavra amor. Uma forma de ter esperança com poucas e com todas as palavras. Amor! Indubitavelmente!

Autora: Valéria Áureo