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quarta-feira, 31 de julho de 2013

“Ad maiorem Dei gloriam”



                                                                 Ilustração: Internet

     O papa pisa em solo brasileiro, atravessa a cidade em um carro popular, ignorando o engarrafamento e as tão temíveis manifestações, que tanto incomodam os nossos governantes. Aliás, a sua figura contrasta com as das autoridades blindadas em seus carros. Ele peregrina em muitos campos, sempre perseguido pela multidão que o aclama em lágrimas: caminha a semear na comunidade de Varginha, em Aparecida, no Campo de São Cristovão, na Tijuca, na Glória, na Praia de Copacabana e o sol se recolhe em todos os eventos...  Semeia em todos os campos onde cai chuva fina. E o sol só volta a brilhar no dia da despedida.
     A paisagem é sempre angelical, de suave chuva, vento e frio. Há uma reverência solene, até mesmo da natureza, diante da magnitude do que representa Sua Santidade, o Papa. E a chuva fina e o frio aglomeram todas as pessoas, bandeiras, idiomas e nações no calor humano, emanado da uníssona espiritualidade. O Pastor em meio a suas ovelhas caminha sempre sorrindo, tocando as pessoas com ternura. Se ele pediu licença e bateu delicadamente às portas dos corações, todas se abriram para ele com grande alegria.
     Mesmo se o sol tivesse aparecido para desfazer os dias nublados, o Papa teria refletido mais luz que ele, pois Sua Santidade reverberava pela singeleza com que caminhava e distinguia alguns eleitos na multidão para receber o seu paternal beijo. Carregando a sua valise, sem as “mordomias principescas” ele poderia ser confundido com um homem comum do povo. Uma humildade que o torna Francisco... Humildade respeitosa a todos as pessoas lhe é natural e o acompanha sempre. É um homem com todas as peculiaridades do que é humano; um soldado de Cristo, que armado apenas da fé, da boa palavra e dos calorosos afagos, arrasta milhões de pessoas que se comovem e fazem silêncio. Três milhões e quinhentas mil pessoas em contrição e silêncio. A sempre voluptuosa Copacabana neste momento está vestida, coberta, casta e silenciosa. Todos caminham na mesma direção da luz que ele irradia. Mas, de onde ele vem?...
     Vem da longa caminhada da Societas Iesu, S. J., uma congregação religiosa conhecida principalmente por seu trabalho missionário e educacional. Inácio de Loyola, seu fundador, de origem nobre, ferido em combate na defesa da fortaleza de Pamplona contra os franceses em 1521 dedicou-se à leitura do "Flos Sanctorum", após o que decidiu desprezar os bens terrenos. Abandonou a indumentária fidalga substituindo-a pela dos mendicantes; a Companhia de Jesus tinha por objetivo desenvolver trabalho de acompanhamento hospitalar e missionário em Jerusalém, ou ir para onde o Papa os enviasse. As constituições jesuítas deram origem a uma organização rigidamente disciplinada, nos moldes militares, enfatizando a absoluta abnegação e a obediência ao Papa e aos superiores hierárquicos (perinde ac cadaver, "disciplinado como um cadáver", nas palavras de Inácio). O seu grande princípio tornou-se o lema dos jesuítas: “Ad maiorem Dei gloriam” ("Para a maior glória de Deus")
     Enfim, se sabemos de onde ele vem, podemos imaginar para onde vai... Caminhará livremente, sem medo, por todos os povos e todas as gentes, assim como sempre fez e como se sente bem. Visitará muitas nações. Estará entre os mais humildes, tocando-os, beijando-os, despojado do luxo e inebriado de Luz. Se, entre seus votos como jesuíta, destaca-se obedecer ao Papa sem questionar, ele, agora Papa, indicará a direção.
     Se, por formação é rigidamente disciplinado, ele sabiamente propõe flexibilidade aos governantes, de modo a saírem dos seus pedestais e ouvirem o clamor do seu povo. Para a evangelização o Santo Padre convoca os jovens, acolhendo seus espíritos questionadores com a sabedoria dos guias espirituais, para que suas forças, seus propósitos e suas ações sejam instrumento de solidariedade, caridade, humildade e compreensão. O Papa é humano... O Papa é espírito que ilumina. Ele afaga, acarinha, conforta, aquece e orienta com a sabedoria e sobriedade de uma mãe dedicada.
     O Papa missionário e evangelizador está apenas começando a sua longa caminhada por muitas e longínquas plagas. Nós sentiremos saudades. E Copacabana, agora tão abençoada, será muito mais bela.

Valéria Áureo
30/07/2013

terça-feira, 30 de julho de 2013

Querida, o que temos para o jantar?



 Ilustração: Internet


         A fome é um problema imediato, sério e com ela não se brinca. Tão sério que a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês), propôs em Roma um programa que incentiva a criação em larga escala de insetos, para reforçar a segurança alimentar. Segundo o órgão, insetos são alimentos ricos em nutrientes, gorduras e minerais; são de baixo custo, ecológicos e "deliciosos". Apesar da ideia nos parecer inusitada, e mesmo repugnante, nossos índios já nos ensinavam isto consumindo tanajuras e larvas.

           Os trilhões de insetos, que se reproduzem sem parar na terra, no ar e na água, "apresentam maiores taxas de crescimento e conversão alimentar alta e um baixo impacto sobre o meio ambiente durante todo o seu ciclo de vida", defendem os especialistas. De acordo com seus cálculos, cerca de 900 espécies de insetos são comestíveis. A criação de insetos é simples e extremamente ecológica, sem os impactos da criação do gado, por exemplo.

       O consumo de insetos, chamado de entomofagia, já é difundido e praticado há muito tempo em regiões da África, Ásia e América Latina. Outro argumento a favor da criação de insetos é que eles “podem ser colhidos em seu estado natural, cultivados, processados e vendidos pelos mais pobres da sociedade”. Se a fome é o grande mal, ela tem que ser combatida da forma que for possível. É questão de sobrevivência.

   Apesar da seriedade do tema, não resisti a uma situação engraçada em que me envolvi hoje. Voltemos ao supermercado. Nada como passar pelas alas de produtos expostos, olhar a diversidade de formas, cores, aromas e paladares... Pensar nas possibilidades e opções do que preparar, nos preços, na fome do mundo e ouvir trechos de conversas.

    Parei na seção de peixes e frutos do mar e me deparei, entre tantas iguarias envolvidas pelo gelo, com uma bandeja que me chamou muito a atenção: “lacraias*, dez reais e noventa centavos o quilo”. Depois do estranhamento e do susto comecei a argumentar com o responsável pelos produtos.

    -Meu senhor, acha mesmo que alguém vai comer isto? É de assustar a aparência deste bichinho vermelho, do tamanho da mão, da largura de três dedos, com dezenas de pares de pernas, de olhos saltados como se não fizessem parte do corpo, pendurados na ponta de duas hastes longas, como um ser extraterrestre...

   -Sim, muito esquisito, muito feio mesmo, dona, mas é muito bom!...

   -Lacraia? Tem certeza? É mesmo este o nome? Lacraia não é aquele bichinho venenoso de esgoto, também conhecida como centopeia?...

  -Ah! Lacraia é venenoso e de esgoto sim. Esta aqui é a lagostinha... Tem sabor de lagosta, camarão; uma delícia... Colocaram este nome aí, porque a gente aqui chama assim mesmo.

     Eu logo pensei na ONU, na fome na África e nas lagostinhas, lagostins ( um crustáceo), aqui chamadas erroneamente de lacraias... Seria uma tentativa de o supermercado se enquadrar no que é politicamente correto? Sem dúvida... Hoje estamos vendo desejos de respostas imediatas aos apelos nacionais e internacionais... Já seria uma adesão à proposta da FAO para se combater a fome no mundo? Com fome não se brinca, eu sei, mas não resisti e fiz o comentário:

     -Está certo, se é saboroso como a lagosta é muito bom mesmo!... Por que a etiqueta diz que é lacraia? Acha mesmo que alguém vai comprar este bicho com este nome tão repulsivo? A aparência dele já não ajuda... Nem o preço, convenhamos!... Pois eu o aconselho a mudar o nome desta criatura, ou o produto vai ficar encalhado. O povo vai se sentir muito melhor comendo lagosta, lagostinha, não acha? Pare para pensar um pouco... Já imaginou meu senhor? O marido  chega em casa, depois de um dia de trabalho e cansado pergunta para a esposa:

     - Querida, estou morto de fome!... O que preparou para o jantar?

     E ela responde amorosamente, ofertando-lhe a deliciosa iguaria:

     -Lacraia, meu amor, lacraia!



Valéria Áureo

26/06/ 2013
*Lacraias, ou centopeias, são artrópodes da classe Chilopoda, geralmente encontrados em solo úmido, sob cascas de árvores, rochas, dentre outros; em regiões tropicais e temperadas. De hábitos noturnos, alimentam-se, principalmente, de pequenos artrópodes, minhocas e vermes: vítimas estas que capturam ainda vivas, inoculando seu veneno a fim de paralisá-las.



                                                           Foto: Valéria Áureo

quinta-feira, 11 de julho de 2013

DANDO NOME AOS BOIS



Dando nome aos bois...



                                                Ilustração: Internet

         

Alguma coisa acontece nas nossas cidades. Parece que as manifestações de massa ressurgiram num passe de mágica e que, de uma hora para outra, as pessoas resolveram expor as suas ideias, depois de anos de silêncio. Mas de onde partiu esta intenção de tomar consciência das questões sociais até então esquecidas?
           Entre outras coisas, partiu de um meme da Internet que representa o conceito de muitos usuários de comunidades online pulsando em sintonia, como um cérebro global .Esses usuários se denominam “ Anonymous. Por trás dos anonymous estão universitários e estudantes de ensino fundamental, segundo um analista de ciência política. As demandas são difusas, sem conexão institucional e a mola propulsora das reivindicações é a qualidade de vida e o uso do dinheiro público de forma clara.
          “Na sua forma inicial, o conceito Anonymous tem sido adotado por uma comunidade online descentralizada, atuando de maneira coordenada, geralmente em torno de um objetivo livremente combinado entre si e voltado, principalmente, a favor dos direitos do povo perante seus governantes”. O coletivo Anonymous tem alcance local, internacional e dimensão global, conseguindo capturar indivíduos de todos os extremos do planeta, enlaçados nas grandes redes sociais, que fazem do globo uma pequena bola de gude. E, bola de gude é para brincar. Aproveitando o momento, eu  diria que é uma bola de futebol. Aliás, já vimos um sujeito que brincou com o globo terrestre, como se fosse uma bola, lembram-se?* Alguns podem extrapolar e querer se divertir com a bola outra vez... Sim, de um clamor virtual a uma multidão aglomerada no mundo real, existe uma grande distância. A brincadeira pode acabar mal. O grande cérebro não pode controlar os milhares impulsos dos manifestantes desgovernados, porque cada indivíduo se liberta dele e passa a agir por conta própria.
           Não existe um comando único, mas um coletivo em ação. Não há nada que possa garantir a harmonia de cérebros disseminados em milhares de lugares, agindo por vontade própria. Aí está o grande perigo desta liderança virtual mobilizadora. Ela estimula e impulsiona a agir, dando uma direção geográfica para a massa, mas fatalmente pode perder o controle sobre ela, quando esta ganha pernas, fora do facebook.
          O nome Anonymous foi inspirado no anonimato e na forma velada sob a qual os usuários se resguardam. Escondidos pela máscara de Guy Fawkes, usada por V( em V de Vingança), eles nada temem. Resguardado, o indivíduo se sente livre para se manifestar e disseminar conteúdos  e ideologias de toda natureza. As redes sociais se incumbem de catalizar e organizar grupos, movimentos e ações. Trata-se de um fenômeno muito poderoso no seu potencial; o comando é: saia da rede e venha para a rua!

          Já sabemos, historicamente, o que podem fazer alguns líderes ( reais e agora virtuais) que massificam, absorvem e manipulam as mentes com um simples comando. Há que ter cuidado e não se deixar manipular como massa de manobra. Nas passeatas algumas camisas brancas já foram substituídas por camisas pretas. Vamos ver o que prevalece.

          Anonymous é um organismo gigante como um grande polvo e seus tentáculos que se soltam e se fragmentam no momento da ação. “Como um nome de uso múltiplo, indivíduos que compartilham o apelido Anonymous também adotam uma identidade online caracterizada como hedonista e desinibida”. Claro, escondido e resguardado, muitas vezes o indivíduo encontra território fértil para liberar o seu lado mais primitivo, instintivo e agressivo, uma vez que o comando se limita a convocar o agrupamento. Depois que se consegue isto, é cada um por si... Cada um seguindo sua cabeça e impulsos, conforme seus valores. Isso é uma adoção intencional, satírica e consciente do efeito de desinibição online. Sem identidade as pessoas têm ou se sentem com poder e se manifestam livremente, pois não há o medo de serem censuradas, reprimidas ou reconhecidas.
          O que seriam, já que se escondem no anonimato? Uma tribo, uma gangue, uma quadrilha, uma legião com a mesma máscara? Uma das auto-descrições do Anonymous é:  “ Nós somos Anonymous. Nós somos Legião. Nós não perdoamos. Nós não esquecemos. Esperem por nós”**. Muitas destas definições me parecem intimidativas e ameaçadoras. Em uma linguagem anterior às páginas sociais eu lembraria o refrão gritado nas ruas: “ o povo unido jamais será vencido”; muitas vezes a multidão acompanha o fluxo, sem saber ao certo a direção da caminhada. Resta saber quais são os propósitos do povo unido, quando fora do universo virtual. Pode ser um grito de guerra de um cérebro sem harmonia com o restante do corpo, incitando à paz, ou à violência. Afinal, não há compromisso do cérebro com o resto do corpo. Quem determina a direção?
          Anonymous é a primeira super consciência virtual. É um coletivo, no mesmo sentido que um bando de pássaros é um grupo viajando na mesma direção. A qualquer momento, mais pássaros podem entrar, sair, voar para uma direção completamente diferente”. Fica evidente nesta auto definição que eles assumem que perdem o controle e a direção dos voos dos cérebros massificados. Eis aí o grande perigo.“Usamos os modos de comunicação para organizar os protestos”. A partir disto não sabemos o que pode acontecer... E as consequências dos atos dos radicais infiltrados? Quem pagará pelos estragos do vandalismo?
          Anonymous não possui um líder ou partido controlador e depende do poder coletivo dos ativistas em agir de uma maneira que o resultado beneficie o grupo”. De qualquer forma, a partir do momento que convocam a população para as ruas, tudo foge ao controle e nada garante que não sejam desvirtualizados de seus propósitos originários. Nada impede que grupos de interesses diferentes dos pacifistas se infiltrem e deem uma cara de terror ao movimento. Um organismo independente, invisível, como um cérebro gigante, sem nome e sem dono, pode transforma-se em um elemento altamente perigoso, com poder, em tese, para o bem e, no mundo real, com muito poder também para o mal. Quem decide a cara do movimento é o povo!
          Cuidado! Um cérebro sem rosto pode ter uma aparência assustadora. E, querer dar nome aos bois, quando a boiada está solta em disparada, é impossível.

Valéria Áureo 
19/06/2013

*Alusão  ao filme O Grande Ditador, onde Chaplin vive uma brilhante sátira a Adolph Hitler.
**[We Are Anonymous, We Are Legion], Yale Law and Technology, 9 de Novembro de 2009.
( Origem: Wikipédia)