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quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Ligações Reconfortantes IV


                                          Ilustração: Fonte: Internet


- Alô, com quem falo?

- Com quem deseja falar?

- Com o responsável, ou a responsável pela linha telefônica. Ele está?

- Sou eu, pode falar. O que deseja?

- Olá, como vai, tudo bem? É um prazer falar
com a senhora. Aqui é da VIVO. É uma ligação referente a planos...
- Planos, é? Já imaginava! Vivem ligando para mim todos os dias. Só vivo liga para mim. Morto não se comunica; abandona de uma vez por todas... Dizem até que tem outra vida depois da morte, mas não sei se tem telefone, chamada, essas coisas... Meu médico disse que é até bom eu atender ao telefone, pois vivo muito sentada, disse que vida sedentária me prejudica; a VIVO liga toda hora e eu me levanto e atendo; me levanto e atendo... Sou uma senhora de 85 anos e meu geriatra disse para eu não me aborrecer, porque o exercício é bom para o meu coração e para as pernas. Disse que preciso de fisioterapia.
- Sim, mas vamos ao que motivou a ligação da VIVO. A  empresa VIVO está lhe oferecendo um plano fidelidade.
- Fidelidade, é? Fidelidade de VIVO? Eu só acredito em fidelidade de morto. Pelo menos, quando o sujeito morre, a esposa sabe direitinho onde está o safado do marido e tem certeza que ele está sozinho no caixão. Mas enquanto o marido está vivo, minha senhora, eu não coloco a minha mão no fogo por ninguém. Como é que pode me garantir fidelidade de VIVO?
- Bem, minha senhora, não é esse tipo de fidelidade de casal, entende? É fidelidade de plano de telefonia... Vou lhe explic...
- Eu sei. Fidelidade é não trair, não é? É ficar com um só e pronto! Eu vivo na fidelidade! Só tenho um telefone. Sou mais fiel do que um cachorro.
- Mas minha senhora, como é difícil falar com você e lhe explicar o plano.
- Se tem algum plano, já não é fidelidade; tem alguma coisa tramada já para enganar o outro. É assim mesmo, na moita, no telefone, no zap. Quando a esposa abre os olhos, o marido já foi.
- A senhora é muito confusa! Dá-me paciência, senhor!
- Paciência e fidelidade! Vivo dizendo para a minha filha: - calma, calma, calma! Tenha paciência comigo, porque sou uma senhora idosa. Minha filha Candice vive me dizendo que eu estou muito dispersiva, confusa e até inconveniente com o que eu falo. Ela se preocupa com o que eu digo e diz que eu posso até apanhar na rua, com essa mania minha de falar o que me vem na cabeça e parar para conversar com todo mundo que atravessa o meu caminho; mas o que eu posso fazer, não é? É a idade! Sabe me dizer se o nome da VIVO foi escolhido para obrigar os velhinhos a se levantarem toda hora para atender ao telefone e se manterem vivos? É ginástica? É algum programa, um plano do governo para a terceira idade? Ouvi o presidente falar que podemos viver até os 140 anos... Já imaginou? Que marido vai aguentar ser fiel mais de um século? Não há fidelidade não, minha filha, que dure mais de cem anos...
- A senhora está brincando comigo? Estou falando sério e a senhora vem com brincadeira?
- Não! Não se aborreça comigo; estou falando muito sério; ainda mais quando me promete fidelidade. Não tive fidelidade nem do meu marido e o assunto mexe com os meus sentimentos. Mas já que falou em brincadeira, vamos brincar? Eu falo morto e a senhora se assenta; eu falo vivo e a senhora fica de pé. É assim: - morto! Vivo! Morto! Vivo! Vivo!  Morto! Morto! Vivo!... Ai, já estou ficando cansada desse senta e levanta; Ufa!...
- Bip, bip, bip...
- Que pena, agora que a gente ia brincar, desligou! E ainda promete fidelidade!... Aqui, ó, fidelidade!

Autora: valéria Áureo
In: Docilidade de Sobreviventes