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sexta-feira, 29 de março de 2019

Saias e Mulheres

                                                     
                                                       Ilustração - Fonte: Internet


Todos os passageiros se misturam apressadamente e aguardam os vagões se aproximarem. Algumas mulheres vão entrando; outras vão saindo do vagão exclusivo para elas. Ali deveriam estar mais protegidas do assédio inoportuno de olhos, mãos e desejos inescrupulosos. Algumas cores das suas roupas são exageradas, luminosas e incandescentes, talvez porque seja verão e a cidade é cercada de praias e tecidos arejados e eflúvios; outras mulheres são bem mais sóbrias, principalmente quando envelhecem; umas são soberanas no jeito de andar em saias longas e sensuais; nem todas são angelicais como se imagina das mulheres; vê-se no aperto do vagão um discreto toque de malícia e crueldade de certas caras atrevidas e suas minissaias coladas nas coxas, como um envelope lacrando a pele queimada de sol. Vez por outra, vê-se um rosto de beleza plácida, pura, angelical, total e completamente feminina. Pode-se dizer que é a encarnação da candura.


Umas mulheres são frágeis e discretas e quase se vislumbram suas auras azuis e seus pensamentos bondosos e maternais. Outras são fortes, decididas e competitivas, com saltos reforçados e andar em marcha, em linha reta, mostrando firmemente o que querem. Elas planejam e executam as tarefas, dentro e fora de casa, como soldados em missão de guerra. São organizadas e minuciosas, porque não há tempo sobrando para ser desperdiçado. Umas até que não tão austeras, mas continuam mulheres, regozijando-se de sua feminilidade com o frescor das alfazemas. Saias, pernas, tornozelos, coxas ... Sapatos, sandálias, pés! Mulheres amontoadas no vagão rosa.
Já em casa os homens veem futebol, pelo menos aqueles que gostam; outros tomam cerveja, ou jogam vídeo game, ou vasculham o celular, ou pensam nas contas, ou no trabalho, ou no chefe, ou na secretária, ou dormem diante da TV; as mulheres pensam na família, na casa, na comida, na roupa do dia seguinte, nos cabelos, no sono que sentem... Quando mais nervosas pensam na própria vida, no desejo de viverem desvencilhadas da rotina. Pensam em aceitar, ou em descartar, ou em trocar, ou em matar, ou em abandonar. No fim das contas, pouco importa o que elas pensam quando estão cansadas e nervosas; quando termina o cansaço, ou seja lá o que for que as magoe, elas decidem continuar, já despidas de seus trajes suados. Decidem, ao final do dia, a vestir novamente as suas saias esvoaçantes e sair correndo para pegar o metrô e o vagão rosa.



Autora: Valéria Áureo
In: Entre Mentes e Corações
                                                                                                         Fonte: Internet

Transparência do Amor


Ele se imaginava sufocando-a, abafando sua voz e gritos com a boca, ou com um travesseiro leve de plumas... Tudo isso passava em sua mente, enquanto ele concebia que a tinha nos braços. Amor e ódio juntos em um turbilhão de emoções acumuladas. Paixão, pura paixão impulsiva. Não podia conter a loucura de seus pensamentos incontroláveis, que o conduziam a um filme de ação. Ela se debatendo, se debatendo, se debatendo; ele retendo-a em seus braços. Momentos de consciência, logo ao amanhecer. A luz reflete-se nos olhos abertos. A luz fragmentada de sol nas lágrimas... Era o que havia de mais moderno e eficaz em avaliações precisas de seu inconsciente: os lampejos reveladores do inconsciente. Ele se sentia louco. Radiografava por inteiro, com seus pensamentos e vontades a pessoa que amava: decifrava os gostos e desgostos, comungava das crenças e descrenças, questionava posições políticas, desafiava grau de conhecimento e de inteligência; questionava a existência ou não de maturidade emocional daquele objeto que em segundos poderia estar inerte, se ele perdesse o controle, ou decidisse dar um fim à agonia. Ah! Um gesto a mais e ... Como é pequeno o lapso entre a vida e a morte; ele poderia insuflar o ar na alma que tinha ao seu alcance, ou que havia abandonado o corpo. Sabia e escondia o grau de sua perversidade, ou de sua serenidade, a ponto de parecer desumano, ou não; havia quem se furtasse a uma exposição excessiva aos olhos dele e assim se desvencilhava do agente de possíveis aventuras amorosas. Ele poderia ser um algoz, um tirano, ou um anjo, em um raríssimo compartilhamento de hálito no beijo mortal e pronto. Ele poderia ser o pretendente perfeito. Mas, quem poderia garantir? Ela é tão diferente, tão diferente de mim, pensava. Ela é culta, fina, elegante e isso o incomodava muito. A cultura o sufoca.
Então... Nada de mostrar as entranhas no primeiro encontro e nem no segundo, ou no terceiro.... Mas, no segundo mês... Nada mais escapava de um íntimo, completo e sombrio escaneamento da alma vitimada pela paixão. E, certeza, uma vez feito o diagnóstico do mal secreto (apaixonado, abobalhado, encantado, gamado, seduzido, enamorado), dificilmente haveria lugar para uma segunda chance: estariam irremediavelmente condenados ao sofrimento que é o amor.
Autora: Valéria Áureo
In: Entrementes e Corações