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sexta-feira, 29 de março de 2019

Transparência do Amor


Ele se imaginava sufocando-a, abafando sua voz e gritos com a boca, ou com um travesseiro leve de plumas... Tudo isso passava em sua mente, enquanto ele concebia que a tinha nos braços. Amor e ódio juntos em um turbilhão de emoções acumuladas. Paixão, pura paixão impulsiva. Não podia conter a loucura de seus pensamentos incontroláveis, que o conduziam a um filme de ação. Ela se debatendo, se debatendo, se debatendo; ele retendo-a em seus braços. Momentos de consciência, logo ao amanhecer. A luz reflete-se nos olhos abertos. A luz fragmentada de sol nas lágrimas... Era o que havia de mais moderno e eficaz em avaliações precisas de seu inconsciente: os lampejos reveladores do inconsciente. Ele se sentia louco. Radiografava por inteiro, com seus pensamentos e vontades a pessoa que amava: decifrava os gostos e desgostos, comungava das crenças e descrenças, questionava posições políticas, desafiava grau de conhecimento e de inteligência; questionava a existência ou não de maturidade emocional daquele objeto que em segundos poderia estar inerte, se ele perdesse o controle, ou decidisse dar um fim à agonia. Ah! Um gesto a mais e ... Como é pequeno o lapso entre a vida e a morte; ele poderia insuflar o ar na alma que tinha ao seu alcance, ou que havia abandonado o corpo. Sabia e escondia o grau de sua perversidade, ou de sua serenidade, a ponto de parecer desumano, ou não; havia quem se furtasse a uma exposição excessiva aos olhos dele e assim se desvencilhava do agente de possíveis aventuras amorosas. Ele poderia ser um algoz, um tirano, ou um anjo, em um raríssimo compartilhamento de hálito no beijo mortal e pronto. Ele poderia ser o pretendente perfeito. Mas, quem poderia garantir? Ela é tão diferente, tão diferente de mim, pensava. Ela é culta, fina, elegante e isso o incomodava muito. A cultura o sufoca.
Então... Nada de mostrar as entranhas no primeiro encontro e nem no segundo, ou no terceiro.... Mas, no segundo mês... Nada mais escapava de um íntimo, completo e sombrio escaneamento da alma vitimada pela paixão. E, certeza, uma vez feito o diagnóstico do mal secreto (apaixonado, abobalhado, encantado, gamado, seduzido, enamorado), dificilmente haveria lugar para uma segunda chance: estariam irremediavelmente condenados ao sofrimento que é o amor.
Autora: Valéria Áureo
In: Entrementes e Corações

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