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segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

O gato elege o seu amor





                                                                 Fonte: Internet



Lembrei-me de dizer dos gatos, os que rolaram nos meus braços infantis, juntamente com sete irmãos, como uma coisa só. Falar o que a observação de sentimentos pueris e alguns anos de maturidade me deram. Gato é só coração. Domesticado... Coração tímido, escondido, mormente num cantinho exclusivo da casa, onde possa estar em paz, com suas reflexões. Os homens deveriam observar mais os felinos. Poderiam aprender muitas coisas. Quem sabe, talvez ocorra o milagre de iluminar um coração a eles fechado? Quem não ama os gatos não sabe o que é entrega absoluta.

Gatos... Sábios para ficarem horas a fio num fio de novelo de lã. Não sei se lã, ou se pelo de gato, ali, acolá... Possibilidade de reflexão ou tédio é o gato que se embola na bola de linha, de jornal, de pelúcia. O gato e o brincar formam uma coisa só. Gatos, apesar disto, são inquilinos inquietantes, talvez por isso mesmo; pela indefinição do ser. Ora é bicho, ora é brinquedo que se mexe de um lado a outro se arrastando manhosamente. 
Gato vive a sua vida e deixa viver, sem exigir nada de ninguém. Por isto pode ser mesmo inquietante; sim, nada é mais incômodo que a autossuficiência dos gatos; o silencioso bastar-se do gato. Vai e vem, entra e sai, sem importunar ninguém. O só pedir a quem amam um amor sem promessas e dívidas. O só amar a quem os merece já é o bastante.

O gato não satisfaz as necessidades do amor possessivo que domina e estabelece regras de convivência humana. Gato coexiste pacificamente; não disputa com o humano, não ameaça, não domina, apenas conquista tudo o que deseja. Compartilha simplesmente o amor. Compartilha a casa; compartilha o sofá, a cama, o banheiro e tudo o mais. Discretamente, como quem não ocupa espaço algum, torna-se o dono. Às vezes flutua, porque não há passos. Passa leve brisa pelos cantos que elege como os seus preferidos... O gato é vento... E não se deixa ser amestrado, nem acata ordens de quem vive dependente e à custa de animais. Não! Gato não. Ele só aceita uma relação de independência e afeto. O mais puro, o mais sincero sentimento expresso no respeito à individualidade. E como não cede ao homem, mesmo quando dele dependente, é chamado de arrogante, egoísta, ou falso, o que não é verdade. Mesmo porque ele nem se incomoda com isso, porque não aceita a falsidade. Gato só admite afeto com troca e respeito pela individualidade. O gato não gosta de alguém porque precisa gostar para se sentir melhor. Ele gosta pelo amor que lhe é próprio, que é dele e ele o dá se quiser e a quem acha que deve dar. Ama determinadas pessoas e ignora outras... O gato devolve ao homem a exata medida da relação que dele recebe. Sábio e espelho. Nada pede a quem não o quer. Melhor dizendo, nem perde seu tempo com quem não o quer...  Passa bem longe.

Ele é exigente com quem ama, mas só depois de muito se certificar de quem se trata. Se a pessoa merece mesmo o seu amor ele se entrega ao toque, ronrona e explode em dança de enroscar-se nas pernas da pessoa amada, buscando carinho. Não pede amor, mas se lhe dá, então ele exige com insinuado disfarce de poder sobreviver sem aquele amor...

Sim, o gato não pede amor, mas o conquista. Nem depende dele para sobreviver. Quando não o tem, ele se basta. Vive num canto qualquer, vagueia pela noite e caça sua comida. Mas, quando sente e reconhece o amor, então ele é capaz de amar e amar muito. Discretamente, porém sem derramar-se. Não é melodramático, exagerado e histérico; é discreto. Se puder passar imperceptível, tanto melhor. Dá o amor na justa medida, com o cuidado de não ultrapassar o espaço de quem o ama. O gato estabelece limites de cordialidade e respeito; não é intruso. Acomoda-se e espera a sua vez.

O gato é o mistério... Leva o homem a se ver... O gato não se relaciona com a aparência do homem. Não com aquilo que está do lado de fora do homem.  Ele vê além do que representa o homem, por dentro e pelo avesso, além do que o homem finge ser. Relaciona-se com a essência. Vê além dos olhos e hospeda-se na alma. Aí é que se dá a conquista, o entregar-se até o fim de seus dias. Entregar-se, conquistar o objeto do amor é que leva tempo. Há que conhecer o seu dono; estudá-lo intimamente, para se assegurar se vale a pena enamorar-se dele. Porque, depois do enamorar-se, não há mais retorno. O compromisso ultrapassará as barreiras da existência. Seu compromisso vai além do tempo... É definitivo; fulminante!

O gato sabe quem o ama... Sabe quem o despreza. Paga na mesma moeda... E se defende do afago amedrontado ou falso esquivando-se. Rejeita aquele que não merece ser amado. A relação dele é com o que está camuflado na alma. O gato vê! Seleciona, julga, elege e sabe quem é merecedor e quem não é. Por isso, quando surge nele um ato de entrega absoluta, de procura pelo colo ou manifestação de afeto, é algo muito verdadeiro, que não pode ser desprezado. É um gesto de confiança que honra quem o recebe, pois significa um julgamento. É como se dissesse. Você merece o meu amor! É aprovação.

O homem imagina que conhece o gato, mas não conhece. O homem não sabe ver o gato, mas o gato sabe ver o homem. Se há desarmonia real ou oculta, o gato sente. Se há solidão, ele sabe e atenua como pode (ele, que enfrenta a própria solidão). Se há pessoas agressivas em torno ou carregadas de maus fluidos, ele se afasta. Por pura intuição. Entrega-se a uns, afasta-se de outros. Só ele decodifica o mistério da alma.

Gato não dá trabalho... Nada diz, não reclama e não cobra nem exige nada. Afasta-se, simplesmente. Quem não sabe "ler" a alma do gato, pensa que é um animal egoísta; não é. É discreto e sabe ser mais conveniente que muitos de nós. Gato é consistente em regras de etiqueta. Sabe a hora certa de se recolher, de sumir e de reaparecer...  É um animal respeitoso. De compostura britânica. Presente ou ausente, ele ensina e manifesta algo que não percebemos. Perto ou longe, olhando ou fingindo não ver, ele está comunicando códigos que quase nunca sabemos compreender.

O gato é enigma sim... Vê mais do que vemos... E vê dentro e além de nós. Ele relaciona-se com fluidos, auras, divindades, espíritos e todo o invisível aos nossos olhos. Protege-nos daquilo que nem damos conta existir. O gato é mediúnico, bruxo, alquimista, feiticeiro, guardião e analista. É um exemplo de meditação, sempre estável ao nosso lado, a ensinar calma, atenção, silêncio e mistério. O gato é um monge tibetano à disposição de quem o saiba perceber. Monge, sim, refinado, taciturno, contemplativo e circunspecto, a nos devolver as indagações temerosas, cujas respostas temos medo de descobrir. O gato sempre responde com uma nova questão, pelo simples modo de olhar, remetendo-nos à observação permanente do real, à busca incessante, à certeza de que cada segundo contém a possibilidade de obter respostas e descobrir soluções...

O gato é um exemplo diário de afeto verdadeiro e fiel. Suas manifestações são íntimas e profundas. Exige recolhimento, entrega, atenção, simplesmente por se deixar ficar aos nossos pés. Gatos deixam-se amar... Pessoas desatentas e indiferentes não agradam os gatos. Pessoas barulhentas e egoístas os irritam... Vive do verdadeiro e não se ilude com aparências. Não se deixa enganar por nada e por ninguém. Gato dorme o sono dos justos, dos que vivem em paz e harmonia com a Terra e as outras criaturas. Ensina a espreguiçar-se e a ter prontidão para a ação imediata. Um perfeito professor de Pilates. O gato sai do sono para o máximo de combate; tensão e elasticidade num segundo... Gato é sensualidade. Salto, sono, silêncio, descanso, prontidão e ação. Gato é introversão. Gato é contato com o mistério, com a sapiência, com a escuridão, com a sombra e finalmente com a luz!..

Autora: Valéria Áureo

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