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domingo, 23 de fevereiro de 2014

Da série: o futuro me alcançou







     O futuro me alcançou; veio ante , com passo miúdo e discreto e não dá mostra de que vai parar. Ou melhor, só estamos no começo. Pois é: a viagem é mais rápida quando se tem boa companhia, a, ou de avião. E, nesta crônica, eu quero entrar com o direito.
     Já tratei deste assunto, mas volto a ele, pelo dinamismo das mudanças e suas constantes interferências no quotidiano; também pelo exercício mental de não ser tão saudosista, como todo poeta de memórias.  É meu mal... Um no passado. Vou neste mergulho nas tecnologias enquanto a água está dando pé. Aventuro-me a conhecer e a experimentar as novidades, tomando da situação, para me ajustar ao novo e não sentir tanta falta do que já se foi. Um na realidade, outro na ficção. Para começar eu já me acostumei com o Tablet, onde faço buscas "falando" com ele. É verdade! Tenho cá um presente de meu filho que me fez rir dessa parafernália toda de aplicativos. Não compreendo absolutamente nada como a coisa funciona neste universo de softwares, mas sei usar tais invenções, a meu benefício e para me manter atualizada. Como se diz: já uso com os pés nas costas...  Para não perder o hábito de brincar com as palavras eu diria: vou me adaptando, para não perder o da caminhada. Pois é! Cheguei à idade de conversar com a máquina... Bom, antes isto que falar sozinha, não é?
     A velocidade com que as invenções surgem e ocupam o mercado é surpreendente. Assustam mas encantam e não há como fugir delas que vão se imiscuindo cada vez mais na nossa vida. Parece que estamos dentro de um filme de ficção científica, ou melhor, o filme de ficção, que é uma antecipação do que virá, já é realidade. Na verdade, quando o homem imagina é porque aquilo é concebível e materializável. Tudo o que o homem imagina pode ser realizado. É só uma questão de tempo, ou teimar e bater o no intento de conseguir. Está aí Leonardo da Vinci para confirmar o que eu digo.
     Eu já estou fascinada pelos Drones que são vistos sobrevoando as pistas e os estádios de Sochi, na Rússia, filmando de todos os ângulos os jogos olímpicos de Inverno de 2014. Pensar nisto há poucos anos seria delírio e fruto de uma imaginação bastante criativa. Seria estar com um na loucura, diriam os antigos. Fato é que os objetos voadores não tripulados, de dimensões cada vez menores e de ampla mobilidade podem alcançar o que a vista não alcança e já fazem parte da realidade. Os drones são utilizados inclusive em concursos públicos, quando ficam sobrevoando a multidão. Lá está o olho que tudo vê, "dedurando" aqueles que se acham espertos, com um na desonestidade e a mão na cola. Atualmente, falar em multidão será falar em drones. Para o aluno preguiçoso, eis um enorme calo, ou melhor, o Calcanhar de Aquiles.
     Por falar em filmes... Quem é que nunca viu "O Mágico de Oz"?Lembram-se da Dorothy e dos seus sapatos que tinham poderes mágicos? Bastou-lhe bater com os pés e pedir com fervor que queria voltar para casa e os sapatos fizeram o resto. Em memória da Dorothy - e das histórias e filmes do passado, cá estou eu a falar de pés e sapatos, de Gato de Botas e suas passadas de sete léguas; de Cinderela e seu sapatinho de cristal, do Homem de gelo e o Grande... Sei! Tudo é imaginação, mas é calçado na fantasia, é passo apressado, é andar para frente... A coisa mais antiga no mundo... Recorro a isto e à minha percepção dos fatos para dizer que o presente correu tanto que o futuro se antecipou; veio no sapateado de Dorothy e de Fred Astaire, saiu das telas e da ficção e cá está andando pelas cidades.
     Uma das coisas mais interessantes do filme "De Volta Para o Futuro", estrelado por Michael J. Fox em 1985, são os sapatos “autoamarráveis” do protagonista Marty McFly. Pois bem... O futuro chegou até aqui, a passos largos, correndo, com seus sapatos poderosos. Sapatos “autoamarráveis” que já são uma realidade e serão atração para jovens que desejam aproveitar o estilo e a praticidade. O uso deles será também a solução para aqueles que têm pouca mobilidade e autonomia e não podem amarrá-los sozinhos. Tanto assim que o protótipo da primeira tentativa do produto foi financiado pela ONG que estuda o Mal de Parkinson, doença que aflige o ator Michael J.Fox. Tudo leva a crer que a Nike resolveu esperar até 2015, por ser o ano até o qual o personagem viaja. O que interessa é que todo mundo poderá ter um sapato igual ao do Marty McFly. Eis que o futuro virou realidade: a Nike lançará os sapatos que fascinaram o personagem e ajudarão os que necessitam de uma mãozinha.
     A propósito desta invencionice toda, provavelmente, a nova crônica da série "futuro" que eu escreverei, será para dizer que já temos um discreto aparato colocado sob a roupa, para nos locomover. Com ele poderemos dispensar os malfadados meios de transporte, hoje tão deploráveis e caros, responsáveis por alavancar os primeiros protestos no país. É... Eu imagino que, com a tal invenção, poderemos sair batendo asas e nos deslocarmos livremente, sem precisar pagar passagens. Poderemos ir até onde Judas perdeu as botas, em de igualdade... E, quando cair um d’água... Bom, não se preocupe! Eles inventarão a solução.
     Não está longe não! E eu fico aqui, firme, de, dando asas à imaginação.

Valéria Áureo
23/02/2014






quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Louva-a-deus e sonhos

          






       

      
       Então!... Era isto mesmo de ter sensações sem explicação, só porque era domingo em Rio Pomba. Um vazio dentro de si e na cidade. Não faria nenhuma diferença se fosse segunda, terça, sábado. Era sempre assim... O filho crescido, a vida cheia de espaços para serem preenchidos. Um abandono; a síndrome do ninho vazio... Fazia um tempo indefinido ainda e a rua estava deserta... Não lhe importava muito que chegasse o carnaval com toda sua euforia. Não lhe importava que o carnaval também passasse, desfeito da ilusão. Não havia espaço em sua vida, para a alegoria e confetes. Tão cedo, ela já ia despertada pela pressa da manhã, arrumando pretexto para sair de casa, que ficara imensa, vazia. Parecia naquele instante querer mais que a leveza da aragem que se manifestava do lado de fora. Dia azul! Não se tratava apenas da tristeza e solidão que a sufocavam, mas de um sentimento morno que agregava ao corpo uma madorna esquisita. Talvez tivesse mais necessidade de sono do que andar vagando pensativa pela cidade... Assim, desse jeito de principiante, vasculhando a alma das coisas, como se lhe faltassem peças de um quebra-cabeça, ela seguia experimentando e encaixando as nostalgias dos bairros da juventude. Os poucos moradores que circulavam na madrugada perambulavam pelo Largo e se encaminhavam para a igreja buscando fervorosos em Deus um pouco de calor e reforço para suas tentativas de paz. Era a oração da madrugada. Uns caminhavam pela Avenida, outros vinham da Água Limpa. A Rua do Ginásio estava deserta. Um carro descia a Domingos Inácio, e as janelas iam se abrindo aos poucos. Um choro de criança, o cheiro de café recém-coado, um cachorro dormindo na calçada...

       Apesar disso ela, ou um nome qualquer que a moça tivesse, achava prazer naquele amanhecer, em que tudo parecia igual na cidade. Eternamente igual. Talvez devesse passar pela padaria e levar uns pães diferentes, com coberturas e merengues para que a vida não fosse tão a mesma de todo dia. Poderia inventar um sábado, um domingo, um feriado, mas sabia que isto não faria nenhuma diferença... Passou diante da padaria mais próxima da Matriz de São Manoel, de onde exalava um cheiro de fermento, pães frescos açucarados e doces variados. Ali se ouviam ruídos iniciais do dia. Aos cheiros, aos devaneios dela, se misturavam os ecos dos sinos reverberando pela Igreja. Havia flores no altar onde tudo era plácido... Ela, qualquer que fosse o nome da moça, tinha visto que as cores dos arranjos cediam encantamento à igreja... E bem mais eram os odores exalados pelos ventos que vinham lá de fora e rodopiavam pelos corredores da imensa nave. O tempo da infância se misturando em sua cabeça encanecida. Os laços do tempo estrangulando-a, como cadarços dos pensamentos amarrados em um nó!  
Ela, com seu nome que podia ser qualquer nome de mulher, quis girar nas pontas dos pés, cantar, para louvar a Deus, mas concluiu que as mulheres ajoelhadas que aguardavam as primeiras orações não compreenderiam aquela impropriedade do balé. Tudo muito inconveniente para a moça educada no Regina Coeli, das madressilvas e odores da capela. Também lembrou-se que apreciava o louva-a- deus, no lago do jardim, que dançava ora aqui, ora ali e parecia agradecer o criador. Reverente, ele bailava solitariamente sobre o espelho d’ água em deferência e disciplina, enquanto ela ficava observando da pontezinha que dividia o lago. Ah! O louva-a-deus patinando no cristal do espelho d’água... A vida sem afeto por perto é deserto.
       Quem sabe chamasse menos atenção se desse uma volta pelo Largo, depois de rezar do seu jeito, venerando Deus com o melhor de si que é a alegria copiada de todas as criaturas... E, depois das preces dançarem em sua cabeça como os pequenos pássaros, fugir para estar bem onde o sol ainda não havia estado. De lá poderia avistar tanto as palmeiras quanto os bancos vazios ainda e observar o presumível movimento da cidade que acordaria. Discreta ela se comportava como as pequenas “doze horas” ainda fechadas no amanhecer, porque tinham tempo certo para se apresentarem com saiotes franzidinhos de crepom colorido... Ela, que poderia ser todo nome de mulher, ou se chamar simplesmente Lourdes, preferia assim: ficar espreitando o burburinho que se formava na cidade que acorda, para falar sobre as delicadezas, distraindo-se com flores e árvores e tantas criações de Deus. Poderia rir, afinal... A vida sem riso é drama...

       Ela decidiu entrar na padaria, porque queria alguma coisa especial naquela manhã de trevo de quatro folhas, de paladares da infância de traços no papel e poesia. Ah! A vida sem lirismo é abismo...
      A moça com todos os nomes de mulher, que se chama Lourdes, decidiu por sonhos. Era raro tê-los no café da manhã. Sempre preferia pães de sal com manteiga, mas hoje, não se sabia a razão, escolhia o que lhe parecia sabor de uma nuvem recheada... Hoje iria se presentear com uma espuma doce se dissolvendo no céu da boca, saboreando-a solenemente.
    Entrou, comprou e pensou que comer sonhos seria uma redundância em sua vida. Era assim mesmo. Ela, que tinha todos os nomes de mulheres, concebida de flores e encantamentos, escolheu dois sonhos. Por que não? Pois se era só disso mesmo que ela poderia viver daqui em diante... A vida sem poema é dilema!

     Algumas vezes percebia que compensava sentimentos, amor, atenção, com temperos, comidas e condimentos. A vida sem poesia é insípida!
     Mas hoje, não. Hoje entraria em uma padaria e compraria sonhos. E os comeria sozinha, sentada no banco da Praça, vislumbrando além do jardim. Não queria mais nada que tivesse pimenta e amargura, ao menos por hoje. Hoje, mesmo que o recheio a levasse às lágrimas, ela comeria apenas sonhos...  E os apreciaria com muita alegria. Afinal, essa mulher pode até se chamar Esperança.
   Ah! A vida sem lirismo é abismo!...

To: Maria de Lourdes Queiroz Esteves

Autora: Valéria Áureo