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quarta-feira, 8 de maio de 2019

Transposição de sílabas ( Dia da Língua Pátria)



Quando o professor voltou a acessar o celular, para enviar uma mensagem de socorro, a tela apagou-se repentinamente, como se ele estivesse na escuridão de um túmulo. Havia um último registro de mensagem anterior, recortada em fragmentos, como um tímido: vá com Deus! Sentiremos sua falta, mestre!
O professor sentiu-se sem ar, como se uma hipértese estrangulasse seu peito. Claramente estava sofrendo a transposição de fonema de uma sílaba para outra, como se fizesse a transposição de um plano a outro. O coração acelerou, mas logo alternou-se em batidas lentas. Ele avançou o dedo no teclado e percebeu que o seu enfraquecimento se devia a uma diástole, talvez uma sístole, ou uma sinalefa, ou as três juntas se engalfinhando no discurso pró-infarto, ou teria sido pré-infarto?). Um avanço, um recuo e deu de cara com a mensagem seguinte na tela que acendia e apagava. Estou tendo um...! A formulação soou bem sinistra. Era preciso suprimir a sílaba mais saliente e tentar escapar com as ajuda da haplologia; se esta não resolvesse, que apelasse para a instância da apócope, ou mesmo da aférese. O que não podia era ficar paralisado, sem saber o que pronunciar, com a boca cheia de fragmentos e sílabas tumultuadas, como se estivessem vivas, revoltadas e não o deixassem respirar. Precisava escrever algo, mesmo tomado pela aférese, que o fazia picotar as palavras irremediavelmente sem início, como soluços e mais soluços de uma criança birrenta. Queria pedir socorro. Talvez sofresse de um mal maior, com o deslocamentos interno das sílabas, ultimamente tão internas e discretas como pensamentos insanos, desgovernados e proibidos. Precisava de um copo d’água. Metátese, hipértese, apofonia, metafonia... Que agonia! E as sílabas loucas brigando entre si, esbofeteando-se, para ocupar um lugar de destaque na boca daquele professor ilustre de linguística. No momento em que, finalmente imaginou ter conseguido enviar a mensagem, se deu conta de que ninguém a receberia. apagou-se por completo. Sua capacidade de escrever, ou de escrever bem, tinha acabado ali, naquela overdose de metaplasmos. Tinha sucumbido, finalmente, soterrado por montanhas de sílabas.

Autora valeria Áureo
In: Entrementes Corações