Ilustração: Internet
Junho. Quantos dias santos haveria de
suportar nessa vida? A tradição em família de reverenciar Santo Antônio, em
especial, era antiga. Uma fita amarela, um papelzinho com o nome de alguém,
copo de água e mel, um pãozinho da prosperidade, uma medalha, uma imagem de
cabeça para baixo, afogada em um copo de água. Um copo de lágrimas da mãe, que
temia pela solteirice da filha.
Criança ainda, Lívia ia frequentemente à
Igreja, sem muito entender aquela injustificada e precoce aflição de sua mãe
espalhafatosa e crente. E acabou tomando birra do santo, porque a mãe não
falava em outra coisa. Santo Antônio haverá de lhe dar um bom marido. A menina
sem compreender as necessidades da mãe, já se cansava do bendito santo Antônio.
Dentro da Igreja, a menina andava sempre a olhar para os lados, porque não
estava interessada por coisa alguma objetivamente. Achava que os santos da
igreja ficavam à mostra dentro dos nichos da parede, sem muito o que fazer.
Costumava fechar e abrir rapidamente os olhos diante de cada imagem, como se
esperasse alguma reação do santo; algum gesto disfarçado em segundos de uma
piscadela. Era natural que os provocasse, porque Lívia, aos oito anos, só
queria brincar. Lívia fazia caretas, acenava, dava sustos, gritava, colocava a
língua de fora, ria diante do santo, que permanecia impassível.
- Filha, não vai ver Santo Antônio hoje?
- Pois ele que espere sentado, respondia
Lívia, já moça e descrente do poder do santo. Ele que espere bem sentadinho,
para não se cansar, reafirmava a cada convite da mãe. E assim foram os anos. A
cada lembrança do dia dele, Lívia ia à imagem do santo afogado e o puxava por
uma cordinha amarrada ao pescoço da imagem, dentro d’água, de cabeça para
baixo. Não vai se lembrar de mim, não é? Não vai se lembrar mesmo, não é? E
pescava a imagem do fundo da jarra e tornava a soltar a cordinha, para ele
afundar.
Assim foram os anos de sua juventude: Tereza
se casou, Andrea, Julia, Silvia, Juliana, Isaura, Lucia... Todas elas, as suas
amigas! Lívia, cheia de birra e de mal com o Santo Antônio, nunca quis
conversa.
Em um dia treze
de junho, recente, Lívia abriu
os olhos para mais um dia em homenagem ao santo casamenteiro. O que viu? Nada
que se pudesse dizer que foi obra do santo casamenteiro. Ela, agora adulta, estava
sem a mãe do lado, a fazer promessas para Santo Antônio, para livrá-la da
solidão. A mãe enterrou sonhos, junto com a dor
que nunca mencionava, de vê-la solteirona, vencida pelo costume de ir em todas
igrejas de Santo Antônio e pedir pela filha. A mãe levou o hábito de pedir
preces ao santo a todos os parentes consigo.
Lívia ficou. A sua vida tinha se
resumido assim: diante de si, a mesma cama vazia, o mesmo banho corrido, o
mesmo café da manhã - amargo, frio, sem açúcar e sem ninguém. A mesma lágrima
discreta teimando em estragar sua maquiagem e arruinar sua máscara de felicidade.
Mais um dia treze de junho... O mesmo dia de trabalho e festejos ao
casamenteiro. O mesmo retorno ao lar frio, pensou.
Pela primeira vez Lívia
fitou com ternura a imagem de Santo Antônio; afinal era quem a recebia todos os
dias, assim que entrava em casa. De maneira especial, sem festejos, orações ou
palavras, ele se tornou o companheiro de sempre, disposto sobre a estante da
sala, a lhe oferecer sua presença palpável, mesmo que em gesso. Lívia,
finalmente, redimindo-se, trouxe-lhe flores. E o santo pareceu estar de braços
estendidos para lhe dar um abraço, ao lado de uma xícara de café bem quente.
Lívia piscou, apertou os olhos assustados, e viu Santo Antônio sorrindo, pela
primeira vez. Ela o abraçou e pediu perdão.
Decidiu finalmente acreditar nos poderes dele e confiar.
Lívia, o noivo Antônio Esperança, e o pai
escolheram as flores do jardim de casa e visitaram juntos a Igreja do santo de
predileção da mãe. Ali deixaram em oferecimento e gratidão, o buquê do
casamento da filha.
In: Entre Mentes e Corações