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domingo, 28 de maio de 2017

Amor Restritivo






                                                                                           Ilustração: Internet

- Vamos levar o queijo?
- Não! A empregada se faz de desentendida e come tudo. Já falei para ela que não pode, mas ela não me atende.
- E não é para comer? Pergunta o marido.
- Não! O queijo dela é o outro, o mais barato.
- Mas você não precisa fazer isto. Lá em casa não falta nada. Aliás, até sobra, estraga e você joga fora. Vamos levar o melhor!
- Não, não é para ela comer! O dela é o mais barato! Já disse para ela mil vezes... O meu é um e o dela é outro.
- E eu como de qual? Perguntou o marido.
- Come o queijo que quiser. Qualquer um... O meu é light, sem lactose. Tudo meu é separado: o leite, o queijo, as frutas, o atum, o salmão...
Diante disto, o marido resignado pegou o queijo mais barato para a empregada. Provavelmente seria o mesmo queijo que lhe seria servido. Não compreendia os sinais de mesquinhez, mas acatava as decisões soberanas da esposa, no que dizia respeito às coisas de casa. Inconformado, mas pacífico pegou o queijo mais em conta, conforme as palavras da mulher. Mais em conta! Ora! Sua mulher nunca se preocupava com as contas, mas levava o queijo mais em conta. Isso o aborrecia muito, pois dinheiro nunca tinha sido um problema para eles. Viviam com fartura e conforto. Entretanto sentiu-se aliviado com alguma coisa que percorreu o seu coração e a cabeça. Não deveria se sentir tão mal com o que se tornara a sua vida com ela: uma vida mais em conta, provavelmente.
O marido concluiu que aquela mulher com quem tinha se casado, também não deveria receber o amor mais caro. Que ela recebesse o mais barato, aquele que se dá por pena e compaixão. Um amor de segunda... O amor resignação, em que se fica só por piedade. O amor que é servido como um copo d’água e um pão e algumas migalhas de caridade. Um amor refreado, restritivo, contido. Ela se tornara tão mesquinha e ele, ao contrário, era tão generoso, que não podiam habitar o mesmo coração. Ele abafara seus sentimentos mais valiosos e os depositara em cofre forte. Os sentimentos mais em conta ele ainda podia dar a ela. Um amor desidratado é o que podiam compartilhar. Uma vida em conta e ele a pagar. O melhor amor, o íntegro, o inquestionável, o precioso, o que ele guardava para certas ocasiões, ele tinha a quem dar. Dava-o aos gatos, por exemplo, que recolhia da rua. O amor aos gatos era pleno e renovador. O amor entre ele e os gatos era recíproco. Os gatos retribuíam o amor pleno na mesma medida. Ou melhor: davam amor além da conta. Jamais um amor limitado e em conta. E, para ser sincero, aos gatos ele dava muito amor e muitos pedaços do queijo caro da mulher. 

Autora: Valéria Áureo
28/05/2017