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segunda-feira, 15 de julho de 2019

Trago o amor ( de volta) em 24 horas.


                                                                Ilustração: Internet

           Uma tabuleta rústica improvisava um anúncio audacioso e megalomaníaco: trago o amor (de volta), em 24 horas. Era de uma amplitude magnífica, enfática, pleonástica e dava à cartomante todo o poder concebível no universo da magia. O seu maior predicado era manejar o amor, qualquer que fosse, com dedos ardilosos, de unhas longas e pontiagudas como estiletes, em passes de mágica incrustados  em búzios. Era a senhora dos destinos.
          Não se tratava do trivial cartaz colado nos postes, muros e vielas, em que se anunciava trazer o seu amado “de volta”. Este sim, era de uma objetividade ímpar, ratificada no doloroso vício de linguagem, porque a quiromante sabia de quem se tratava. Trago o seu amor!... Ela, boca vermelha e turbante de pedrarias, limitava-se em atuar no caso específico de um amor atribulado, que não mais se entendia com as palavras do ser amado. - Trago o seu amor; sim, o seu amor! Sua posse e seu domínio! Ela cuidaria, portanto, de capturar, onde estivesse escondida, a pessoa amada, aquele determinado fujão, que tinha surrupiado o coração da moça e nunca mais tinha dado notícias. 
          Calculei de imediato que a maga do afeto universal ( do amor em geral) poderia resgatar todo tipo de amor e manteria em suas mãos poderosas os fluídos da paz aqui na Terra, entre todos os homens de boa vontade: amor dos homens pela humanidade, dos pais pelos filhos, dos maridos pelas esposas, dos entes pelas famílias, dos irmãos pelos irmãos... 
          Minhas ideias se espalhavam levadas pelos ventos da praia e eu ria daquele poder no qual eu jamais acreditaria. Não confiava que o amor pudesse ser trazido à força, à revelia, contrariando a necessidade e a vontade do outro envolvido no afeto. Como se não bastasse ser capaz de resgatar o amor, a cartomante ainda o fazia em 24 horas. Ah! Quanto se pode fazer em 24 horas? E quanto demora passar, quando se espera a volta de alguém! ... Quanto se pode convencer, para o bem e para o mal, não em horas, mas em segundos? Quanto é possível fazer, em nome do amor, ou do ódio? Não importa! Todas as bruxas em seus presságios e artimanhas coloridas e sob jorros de luz, prometem fazer feitiços e amarrações. E, enfeitiçando e amarrando os corações um no outro, como em uma cruz a ser carregada pela vida inteira, o amor nunca mais será o mesmo, porque não é livre. Não sendo livre, já não será mais amor.
Autora Valéria Áureo
In: Entre mentes e Corações