Ilustração: Internet
Uma tabuleta rústica improvisava um anúncio audacioso e
megalomaníaco: trago o amor (de volta), em 24 horas. Era de uma amplitude
magnífica, enfática, pleonástica e dava à cartomante todo o poder concebível no
universo da magia. O seu maior predicado era manejar o amor, qualquer que fosse, com dedos ardilosos, de unhas longas e
pontiagudas como estiletes, em passes de mágica incrustados em búzios. Era a
senhora dos destinos.
Não se tratava do trivial cartaz
colado nos postes, muros e vielas, em que se anunciava trazer o seu amado “de
volta”. Este sim, era de uma objetividade ímpar, ratificada no doloroso vício de
linguagem, porque a quiromante sabia de quem se tratava. Trago o seu amor!... Ela, boca vermelha e
turbante de pedrarias, limitava-se em atuar no caso específico de um amor
atribulado, que não mais se entendia com as palavras do ser amado. - Trago o seu amor; sim, o
seu amor! Sua posse e seu domínio! Ela cuidaria, portanto, de capturar, onde
estivesse escondida, a pessoa amada, aquele determinado fujão, que tinha
surrupiado o coração da moça e nunca mais tinha dado notícias.
Calculei de imediato que a maga do
afeto universal ( do amor em geral) poderia resgatar todo tipo de amor e manteria em suas mãos
poderosas os fluídos da paz aqui na Terra, entre todos os homens de boa vontade:
amor dos homens pela humanidade, dos pais pelos filhos, dos maridos pelas
esposas, dos entes pelas famílias, dos irmãos pelos irmãos...
Minhas ideias se espalhavam levadas
pelos ventos da praia e eu ria daquele poder no qual eu jamais acreditaria. Não confiava que o amor pudesse ser
trazido à força, à revelia, contrariando a necessidade e a vontade do outro
envolvido no afeto. Como se não bastasse ser capaz de resgatar o amor, a
cartomante ainda o fazia em 24 horas. Ah! Quanto se pode fazer em 24 horas? E quanto demora passar, quando se espera a volta de alguém! ... Quanto se pode convencer, para o bem e para o mal, não em horas, mas em
segundos? Quanto é possível fazer, em nome do amor, ou do ódio? Não importa! Todas as
bruxas em seus presságios e artimanhas coloridas e sob jorros de luz, prometem
fazer feitiços e amarrações. E, enfeitiçando e amarrando os corações um no outro, como em uma cruz a ser
carregada pela vida inteira, o amor nunca mais será o mesmo, porque não é livre. Não sendo livre, já
não será mais amor.
Autora Valéria Áureo
In: Entre mentes e Corações