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quinta-feira, 11 de julho de 2019

Audrey


          


O caminho que deveria ter sido percorrido seria um... Sempre o mesmo: a tal paisagem da praia, a passagem pela roleta, o banco desconfortável, o mar, a ponte, os barcos.
          Acontece que, de uma hora para outra, ela tentou imaginar a possibilidade de a vida ser vista, não mais pela frente, mas pelo verso e pelo reverso. E assim, deu meia-volta e atravessou o mar com os olhos, mas logo o deixou para trás, abaixando as pálpebras. Devia chegar do outro lado, como sempre fazia ao ir para o trabalho. Ela ia sempre pelo mar. Hoje, estranhamente, a ponte Rio-Niterói era a única certeza de que havia duas margens, duas possibilidades, dois destinos diferentes: o ponto de chegada, o ponto de partida.
          A senhora parada no ponto de ônibus evitou tomar as barcas, mas não saberia explicar a razão. Ela vestia calça jeans, camisa branca desenhando-se para o gelo, debruada de azul, e sapatos de couro de duas cores com salto baixo. Eram confortáveis. Para completar a beleza dos olhos grandes e lábios vermelhos, trazia nos cabelos grisalhos alinhados, um coque a la Audrey. Era bela e chamava atenção com naturalidade. Especialmente hoje, prendia a atenção de um homem, do outro lado da rua, que também desistiu das barcas naquela terça-feira, não se sabe a razão. Ele precisava saber como era a dona do visual despojado e elegante. O homem, observando-a, lançou mão da estratégia de ir e voltar, como se tivesse perdido algo e procurava no chão, mas com olhos espichados para ela.
          Ah! Ela, parada no ponto de ônibus, podendo tomar as barcas, como sempre tinha sido a sua vida, inovando e decidindo pegar o ônibus naquela tarde de terça-feira! Caminhou até a placa que indicava os ponto de espera e ali ficou. Ele se aproximou dela e ficou tão perto que quase parou de respirar. Viu que o rosto dela não era de diva cinematográfica, mas alcançava uma beleza muito maior, porque era real e vivo. Era madura! O que importava, se ele também tinha deixado a juventude para trás? Sorriu! E, pelas rugas dela, dava pra presumir que também devia ter tido seu quinhão de estrela cinematográfica na vida. E foi assim, na tarde de terça-feira, indo para o trabalho, que ele capitulou, entregou os pontos e o coração, porque seu destino, como o de todos, era encontrar o amor. Mesmo que fosse mais tarde, no crepúsculo da vida e longe das viagens diárias das barcas, o amor valia a pena.


Autora: Valéria Áureo
In: Entre Mentes e Corações