O caminho que deveria ter sido
percorrido seria um... Sempre o mesmo: a tal paisagem da praia, a passagem pela roleta, o banco
desconfortável, o mar, a ponte, os barcos.
Acontece que, de uma hora para outra,
ela tentou imaginar a possibilidade de a vida ser vista, não mais pela frente,
mas pelo verso e pelo reverso. E assim, deu meia-volta e atravessou
o mar com os olhos, mas logo o deixou para trás, abaixando as pálpebras. Devia chegar do outro lado, como
sempre fazia ao ir para o trabalho. Ela ia sempre pelo mar. Hoje,
estranhamente, a ponte Rio-Niterói era a única certeza de que havia duas
margens, duas possibilidades, dois destinos diferentes: o ponto de chegada, o
ponto de partida.
A senhora parada no ponto de ônibus
evitou tomar as barcas, mas não saberia explicar a razão. Ela vestia calça
jeans, camisa branca desenhando-se para o gelo, debruada de azul, e sapatos de
couro de duas cores com salto baixo. Eram confortáveis. Para completar a
beleza dos olhos grandes e lábios vermelhos, trazia nos cabelos grisalhos
alinhados, um coque a la Audrey. Era bela e chamava atenção com naturalidade.
Especialmente hoje, prendia a atenção de um homem, do outro lado da rua, que
também desistiu das barcas naquela terça-feira, não se sabe a razão. Ele
precisava saber como era a dona do visual despojado e elegante. O homem,
observando-a, lançou mão da estratégia de ir e voltar, como se tivesse perdido
algo e procurava no chão, mas com olhos espichados para ela.
Ah! Ela, parada no ponto de ônibus,
podendo tomar as barcas, como sempre tinha sido a sua vida, inovando e
decidindo pegar o ônibus naquela tarde de terça-feira! Caminhou até a placa que
indicava os ponto de espera e ali ficou. Ele se aproximou dela e ficou tão perto que
quase parou de respirar. Viu que o rosto dela não era de diva cinematográfica,
mas alcançava uma beleza muito maior, porque era real e vivo. Era madura! O que
importava, se ele também tinha deixado a juventude para trás? Sorriu! E, pelas
rugas dela, dava pra presumir que também devia ter tido seu quinhão de estrela
cinematográfica na vida. E foi assim, na tarde de terça-feira, indo para o trabalho, que ele
capitulou, entregou os pontos e o coração, porque seu destino, como o de todos,
era encontrar o amor. Mesmo que fosse mais tarde, no crepúsculo da vida e longe das viagens diárias das
barcas, o amor valia a pena.
Autora: Valéria Áureo
In: Entre Mentes e Corações