Maria, você vai? Você vai sozinha? Vem comigo?... Você vai, ou fica? Vamos logo, entre no carro! Eu
queria que a intimação soasse leve, como um convite. Ela era tão delicada, que eu cuidava de adoçar a voz.
Não se ouve nada no quarto e nem no corredor,
só o barulho das chaves na minha porta; um lacônico comentário atravessa a
garagem quase vazia, antes de entrarmos no carro. Caladas! Estávamos atrasadas e
provavelmente os demais moradores já estavam longe. Eu e ela, lado a lado no
carro, percorríamos o silêncio. Eu fazendo as minhas associações de ideias e
ela balbuciando uma canção. Como Maria gosta de cantar! Eu atrapalhei tudo!...
O sinal está fechado!
Ela com pressa, porque tem provas no colégio, está impaciente; eu sem pressa
nenhuma, querendo alongar a sua presença ao meu lado, até a eternidade. Finjo
que estou calma. A vida nos seus segundos é tão delicada! Maria é delicada! A
existência repartida em horas é tão buliçosa, seguindo sempre em frente; não
pode, não quer e nem sabe se deter. Maria vai no compasso da música que
cantarola; como sempre e do meu jeito, eu acelero os meus pensamentos, enquanto
piso no pedal. O sinal de trânsito cordialmente abre para nós! O cachorro
atravessa o nosso caminho, quebrando a cor cinzenta do asfalto. O cachorro é
branco. Meus pensamentos cinzentos. Percorremos as ruas ainda bem cedo, quase vazias, e cruzamos avenidas,
mais silenciosas do que o costume. Maria sentada comigo, vai tomando o seu caminho
de moça. Os primeiros alvoroços de moça apontam em seus olhos, lábios, seios. Maria
vai, Maria vem... Ela não é; ela está se fazendo uma mocinha. Ela vai com as
outras, pois as amigas a esperam do lado de fora do portão. E eu não posso ser
vista, porque ela é grande, é uma mocinha, e não se sente mais a filhinha da
mamãe.
Maria acena para mim despedindo-se,
bem de longe, para que não vejam que a mãe amorosa ainda a acompanha e aguarda
os beijos infantis. Ela acena para as outras Marias - a mão com unhas de
esmalte rosa e a sua pretendida condição de emancipação: já sabe
andar sozinha, sabe pegar ônibus, sabe pegar metrô, sabe falar inglês.
Sabe tudo! Quer fazer intercâmbio, quer viajar, quer fazer faculdade fora do
país e morar sozinha. Eu, os meus medos!
Eu, toda manhã, insisto em trazê-la,
sob o mesmo pretexto de apenas ficar um pouco mais junto dela, que vai crescendo
tão rapidamente e ocupando mais espaço no mundo a cada dia que passa. E eu vou
deixando minha agenda cada dia mais vazia. Eu vou me encolhendo e cada dia
ocupo menos espaço.
Desta vez, pouco nos falamos, porque
o meu caminho vai ficando para trás, com a urgência das rodas no asfalto
cinzento, rapidamente percorrido pelo cachorro branco, enquanto o caminho dela
se descortina morosamente, como por encanto. O momento é delicado e estou meio
sorumbática. O cachorro segue adiante correndo, correndo...
Vou ficando mais velha, vou rezando
mais o terço e as novenas, a cada dia; vou observando mais, vou temendo mais,
implorando mais... É mais uma data importante que preciso registrar nos meus
álbuns de nostalgias. Pego o celular e faço uma selfie; Maria a contragosto não
quer essas demonstrações públicas de afeto e se afasta de meu beijo maternal.
Maria vai!
Há outras mães enfileiradas em seus
carros, em uma caravana dolorosa, cujas filhas se exercitam na ocultação das
demonstrações de carícias, afastadas da entrada do colégio. Maria se afasta.
Maria vai... Maria vai com as outras, de mãos dadas, rindo efusivamente e
esquecendo-se de mim. O sinal ficou fechado, enquanto eu interrompia a
identificação desse afastamento físico e emocional com lágrimas quentes
escorrendo em meu rosto gelado. O sinal abriu e um carro atrás buzinou,
acelerou e fez ruídos com uma obstinação raivosa, que não convinha à hora nem
ao trânsito tranquilo. Hoje não! Hoje eu não poderia me aborrecer com
absolutamente mais nada, porque ir além era o meu destino. Eu teria que deixar
de ouvir os pequenos incômodos dos pensamentos cinzentos e me abastecer de paciência e esperança,
enquanto eu deixava Maria crescer. Maria vai, adentrando o colégio; Maria vai
com as outras, de mãos dadas, humanizada com outras meninas iguais, na urgência
de deixar-me e a infância para trás. Vai, Maria! Vai Maria, vai com as outras! ...
To:
Candice Áureo C. L. Fonseca