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sábado, 24 de maio de 2014

Análise a cada sessão - O Analista



    
                                                     Ilustração: Internet

-Enfim, o que traz você aqui?

-Vim mesmo por recomendação médica. Não deixa de ser interessante: ter uma pessoa para conversar, mesmo que se pague por isto. Perdoe o meu comentário. É para descontrair um pouco. A senhora tem com quem conversar?

-Tem razão, é importante ter com quem falar. Mas vamos ao seu caso... O que mais o aflige?

-Eu não sei bem. Eu perco as pessoas.

-Como assim? Como perde as pessoas?

-Não sei bem dizer. Aliás, meu problema sempre foi com as palavras. Sempre achei que as conhecia, que as dominava, que as usava bem e, no entanto, acabei falando sozinho...

- Seu problema é com as palavras? Fala sozinho?

-Não! Meu problema é com as pessoas. Com as palavras eu me saio muito bem. Eu sempre acredito no que as pessoas me dizem. Confio nelas. Talvez eu seja um inocente útil...

- Sente-se mal a esse respeito?

-Talvez!Estou tentando compreender a transitoriedade. A transitoriedade das coisas, das pessoas... Confiava na eternidade dos sentimentos. E na permanência das pessoas.

-E isto o incomoda?

-Muito.

- E o que espera com a sua vinda aqui?

- Sei lá!... Ao menos descarregar esta dor no coração. Parece que vou explodir. Meu peito dói.

-Dor no peito? Tem problema no coração? Tem pressão alta? Toma algum remédio?

- Não se preocupe; não é uma dor física. É uma dor da alma. Uma mágoa, uma nódoa.

-Tem dormido bem?

-Não! À noite é a pior hora da solidão. A cidade silenciosa. As janelas fechadas dos apartamentos... Tudo apagado. Um som ecoando lá longe. Um abismo no tempo, um gato notívago... Também ele se arrasta nos miados que vibram na noite. Tenho pena dos gatos. Ou será pena de mim mesmo? Acho que é autopiedade.

-E toma algum remédio para dormir?

-Atualmente não! Já tomei. Não quero mais. Não quero depender dos medicamentos, mesmo porque eles me fazem dormir na hora errada. Eles me atrapalham quando eu tenho que ficar acordado. Os remédios são uma ilusão, não acha?

- Depende. Cada caso é um caso.

- Sim. Cada caso é um caso. O meu caso é perder as pessoas. Já lhe disse, não é? Sempre perco as pessoas.

-Sim, disse. Mas aonde é que você perde as pessoas?

-Não se trata de um lugar; trata-se de uma condição. A perda das pessoas é uma condição subjetiva. Não sei para onde vão. Sei que elas se perdem, ou melhor, elas vão se soltando.

-E você? Tem ideia de onde está, ou para onde quer ir?

-Estou sempre em casa. A vida é muito complicada. Difícil viver, não acha?

-E como pensava que seria a vida? Que sonho existiu de verdade?

-A princípio não pensava nada. Ia vivendo um dia depois do outro. Não pensava muito sobre a minha existência, até que me dei conta de que nada era tão simples, como era a vida dos bichos e das plantas, que pareciam perfeitamente ajustados ao meu olhar contemplativo... Havia paz no horizonte e na alma. Tudo era muito perfeito.

- E você? O que pensa de si mesmo?

- Já lhe disse, eu perco as pessoas.

- Sim. Você as perde assim que elas se soltam.

-Pois é! Eu não desejo que se soltem, mas elas se vão. Sempre tive muitas coisas para dizer e achava que isto seria o bastante: preencher a vida das pessoas com as histórias, as palavras, as novidades. Tinha sempre muita coisa para dizer e nada, nada passava despercebido nesta vida. A mim não bastava saber, conhecer; precisava compartilhar. As palavras se chegando ao meu ser, dando-me uma aflição. Eu tinha que esvaziar a cabeça, o coração. Eu me inteirava com avidez de tudo o que havia para ser conhecido. Devo confessar que havia muita facilidade em transitar entre os universos. Nada me parecia difícil ou incompreensível. Havia um momento de transbordar. E, para demonstrar a alegria de saber eu precisava das pessoas. Nunca pude existir sozinho.

- Sim, precisava das pessoas.

- É!Pessoas com quem pudesse compartilhar. Pessoas dispostas a ouvir. Com a maturidade percebemos o quanto acumulamos. Eu precisava falar.  E, afinal, para que serve tudo o que acumulamos? Acaba se transformando num fardo a nossa história. Eu imaginava que as pessoas pudessem me ouvir, por puro prazer. Mas, ao contrário do que eu imaginava, elas chegavam tão incomunicáveis, a princípio, que eu precisava me desvencilhar de minha necessidade de falar, de minha história... Eu tinha que ouvi-las. Era visceral a minha necessidade de ouvir, de me envolver, de me emocionar. Sempre gostei muito de ouvir, esta é a verdade. Para elas tudo era prisão e sufocante engano. Como poderia saber o que sentiam, o que temiam, o que queriam? Eu tinha que ouvi-las toda vez que me procuravam. Todas elas eram silêncios pesadíssimos que vinham eclodir nos meus ombros. Pareciam máquinas emperradas... Eu começava a copiar os sinais que emitiam, com atenção, carinho, ternura. A cabeça, o coração, os braços, as pernas... Tudo era uma máquina emperrada. Eu era um aparelho a decifrar as suas verdades, os seus medos. Eu decifrava neles o esforço para viver, o esforço para não sofrer e para não morrer. Eu via neles as consequências dos seus atos, os arrependimentos e as renúncias. Muitas renúncias para não pecar e que levavam ao sofrimento. O amor que tomamos, tomamos sem saber... Eu juntava os cacos das pessoas despedaçadas... Eu as ouvia por horas, dias, meses, anos, até que chegava um dia e elas partiam, sem mais nem menos. Quando a máquina finalmente voltava a funcionar, as pessoas voltavam a sorrir, a cantar, a assoviar. Elas se libertavam. Eu as curava. E eu, que havia me afeiçoado a elas, que chegava a amar muito era friamente abandonado. Quando partiam eu ficava novamente sozinho, apenas acompanhado das lembranças delas. Já lhe disse, eu perco as pessoas. Este é o meu problema.

-Seu tempo acabou. Por hoje é tudo. Na próxima semana continuaremos. E, por favor, assine o recibo com a secretária lá na recepção. Pode ir. Até quinta-feira.
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Autora: Valéria Áureo
In: Conjugando o Amor Líquido

quarta-feira, 21 de maio de 2014

O Gato elege o seu amor

                                                                            Fonte: Internet


Lembrei-me de dizer dos gatos, os que rolaram nos meus braços infantis, juntamente com sete irmãos. Falar o que a observação de sentimentos pueris e alguns anos de maturidade me deram. Gato é só coração. Coração tímido, escondido, mormente num cantinho exclusivo da casa, onde possa estar em paz, com suas reflexões. Os homens deveriam observar mais os felinos. Poderiam aprender muitas coisas. Quem sabe, talvez ocorra o milagre de iluminar um coração a eles fechado? Quem não ama os gatos não sabe o que é entrega absoluta.


Gatos... Sábios sem o saber. Sábios para ficarem horas a fio num fio de novelo de lã. Não sei se lã, ou se pelo de gato... Possibilidade de reflexão ou tédio é o gato que se embola na bola de linha, de jornal, de pelúcia. O gato e o brincar formam uma coisa só. Gatos, apesar disto, são inquietantes, talvez por isso mesmo; pela indefinição do ser. Ora bicho, ora brinquedo que se mexe se arrastando manhosamente. Gato vive a sua vida e deixa viver, sem exigir nada de ninguém. Por isto pode ser mesmo inquietante; sim, nada é mais incômodo que a autossuficiência dos gatos; o silencioso bastar-se do gato. Vai e vem, entra e sai, sem importunar ninguém. O só pedir a quem amam um amor sem promessas e dívidas.


.Gato coexiste pacificamente; não disputa, não ameaça, não domina. Compartilha simplesmente o amor. Compartilha a casa; compartilha o sofá, a cama. Discretamente, como quem não ocupa espaço algum. Às vezes flutua, porque não há passos. Passa leve brisa pelos cantos que elege como os seus preferidos... O gato não se deixa ser amestrado, nem acata ordens. Não! Gato não. Ele só aceita uma relação de independência e afeto. O mais puro, o mais sincero.


Gato só admite afeto com troca e respeito pela individualidade. O gato não gosta de alguém porque precisa gostar para se sentir melhor. Ele gosta pelo amor que lhe é próprio, que é dele e ele o dá se quiser e a quem acha que deve dar. Ama determinadas pessoas e ignora outras... O gato devolve ao homem a exata medida da relação que dele recebe. Sábio e espelho. Nada pede a quem não o quer. Melhor dizendo, nem perde seu tempo com quem não o quer...


Exigente com quem ama, mas só depois de muito se certificar de quem se trata. Se a pessoa merece mesmo o seu amor ele se entrega ao toque, ronrona e explode em dança de enroscar-se nas pernas da pessoa amada. Não pede amor, mas se lhe dá, então ele exige com insinuado disfarce de poder sobreviver sem aquele amor. .


Sim, o gato não pede amor. Nem depende dele para sobreviver. Quando não o tem, ele se basta. Vive num canto qualquer, vagueia pela noite e caça sua comida. Mas, quando sente e reconhece o amor, então ele é capaz de amar muito. Discretamente, porém sem derramar-se. Dá o amor na justa medida, de não ultrapassar o espaço de quem o ama. O gato estabelece limites de cordialidade e respeito; não é intruso. Acomoda-se e espera a sua vez


O gato é o mistério... Leva o homem a se ver... O gato não se relaciona com a aparência do homem. Não com aquilo que está do lado de fora do homem. Ele vê além do que representa o homem, por dentro e pelo avesso, além do que o homem finge ser. Relaciona-se com a essência. Vê além dos olhos e hospeda-se na alma. Aí é que se dá a conquista, o entregar-se até o fim de seus dias. Entregar-se, conquistar o objeto do amor é que leva tempo. Há que conhecer o seu dono; estudá-lo intimamente, para se assegurar se vale a pena enamorar-se dele. Porque, depois do enamorar-se, não há mais retorno. O compromisso ultrapassará as barreiras da existência.


                                          Fonte: Internet


O gato sabe quem o ama... Sabe quem o despreza. Paga na mesma moeda...E se defende do afago amedrontado ou falso. Rejeita aquele que não merece ser amado. A relação dele é com o que está camuflado na alma.O gato vê! Seleciona, julga, elege e sabe quem é merecedor. Por isso, quando surge nele um ato de entrega absoluta, de procura pelo colo ou manifestação de afeto, é algo muito verdadeiro, que não pode ser desprezado. É um gesto de confiança que honra quem o recebe, pois significa um julgamento. É como se dissesse. Você merece o meu amor!


O homem imagina que conhece o gato, mas não conhece. O homem não sabe ver o gato, mas o gato sabe ver o homem. Se há desarmonia real ou oculta, o gato sente. Se há solidão, ele sabe e atenua como pode (ele que enfrenta a própria solidão). Se há pessoas agressivas em torno ou carregadas de maus fluidos, ele se afasta. Por pura intuição. Entrega-se a uns, afasta-se de outros. Só ele decodifica o mistério da alma.


Gato não dá trabalho... Nada diz, não reclama, não cobra nem exige nada. Afasta-se, simplesmente.

É discreto e sabe ser mais conveniente que muitos de nós.Gato é consistente em regras de etiqueta. Sabe a hora certa de se recolher, de sumir e de reaparecer... É um animal respeitoso. De compostura britânica. Presente ou ausente, ele ensina e manifesta algo que não percebemos. Perto ou longe, olhando ou fingindo não ver, ele está comunicando códigos que quase nunca sabemos compreender.


O gato é enigma sim... Vê mais do que vemos... E vê dentro e além de nós. Relaciona-se com fluidos, auras e espíritos. Protege-nos daquilo que nem damos conta existir. O gato é mediúnico, bruxo, alquimista, feiticeiro, guardião e analista. É uma aula de meditação estável a nosso lado, a ensinar calma, atenção, silêncio e mistério. O gato é um monge tibetano à disposição de quem o saiba perceber. Monge, sim, refinado, taciturno, contemplativo e circunspecto, a nos devolver as indagações temerosas, cujas respostas temos medo de descobrir. O gato sempre responde com uma nova questão, pelo simples modo de olhar, remetendo-nos à observação permanente do real, à busca incessante, à certeza de que cada segundo contém a possibilidade de obter respostas e descobrir soluções...


O gato é um exemplo diário de afeto verdadeiro e fiel. Suas manifestações são íntimas e profundas. Exigem recolhimento, entrega, atenção simplesmente por se deixarem ficar aos nossos pés. Gatos deixam-se amar... Pessoas desatentas e indiferentes não agradam os gatos. Pessoas barulhentas e egoístas os irritam... Vive do verdadeiro e não se ilude com aparências. Não se deixa enganar. Ama quem merece ser amado. Ignora quem merece ser ignorado. Gato dorme o sono dos justos, dos que vivem em paz e harmonia com a Terra e as outras criaturas. Ensina a espreguiçar-se e a ter prontidão para a ação imediata. O gato sai do sono para o máximo de combate; tensão e elasticidade num segundo... Gato é sensualidade. Salto, sono, silêncio, descanso, prontidão e ação. Gato é introversão. Gato é contato com o mistério, com a sapiência, com a escuridão, com a sombra e finalmente com a luz!.. 


Valéria Áureo


                                                         Fonte: Internet