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segunda-feira, 30 de setembro de 2019

A Cerimônia




Ela passou pela última vez a calça de linho branco do marido; tinha as faces rubras em duas brasas incandescentes... O calor do ferro de engomar descongelava aquela dor no peito cheio de mágoas, apesar do nó rente na garganta apertando-a; finalmente estava livre do espectro da primeira namorada do marido.  Ela e sua presença inefável. Aliviada, de certa maneira feliz, fez o vinco da calça, até o tecido soltar fumaça, como ele exigia. Então percebeu que as bainhas estavam levemente puídas, tanto ele tinha dançado, sem ela; mas ninguém iria perceber aquele detalhe encardido em sua vestimenta e vida. Agora, nada mais importava.
Os amigos buscaram o terno de linho branco e ajudaram o companheiro de bailes e farra a se vestir. Àquelas horas todos já estavam atrasados. Ela também vestiu-se, sem nenhum adorno, sem maquiagem e sem nenhuma pressa. Só um alívio.  A cerimônia na igreja não deveria tardar, mas não podiam começar o ritual sem ela.
A Igreja estava enfeitada e cheia. Não demorou e o espectro da rival entrou vestida de um branco levíssimo e fulgurante como um raio de luz; ela era tão leve e diáfana, que ninguém percebeu sua entrada; ninguém a viu chegar, como uma escultura de cristal e se deter ao lado do altar; ela parecia uma noiva, mas ninguém se ergueu diante ela. Mas, o morto logo sorriu e se levantou. Sacudiu as flores e deu o braço á imagem translúcida. Ela saiu radiante, abraçada com aquele que lhe fora prometido na eternidade. Os dois saíram a trocar caricias, dançando uma valsa levíssima que nem seus pés tocavam o chão. Ambos flutuavam sobre as nuvens, sem que alguém se desse conta daquele raio de luz de tamanha felicidade.

Autora: Valéria Áureo

In: Entre Mentes e Corações

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