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sexta-feira, 21 de junho de 2019

Dance Comigo, Meu Bem!


                                                  Ilustração: Internet


          

Uma máquina barulhenta recortava ladrilhos no apartamento luxuoso ao lado ( agora uma espelunca esfumaçada  de escombros, resultado de um recente incêndio). Se ao lado era a feiura de fuligem e restos de móveis contorcidos, mais ao alto estavam as nuvens, na concepção do novo morador. Eu, o novo morador, um rapaz irrequieto e cheio de imaginação. Eu acreditava que acima de minha cabeça, seria o paraíso. Enquanto eu escrevia, ouvia tudo o que acontecia no andar de cima. Ouvia a dança que se arrastava no salto alto ( devia ser vermelho), ouvia os passos ritmados sobre a ardósia fria e brilhante; ouvia a respiração, sentia o suor ( que devia escorrer pelo decote e o perfume)... Ela devia se chamar Elisa, leve como o vento... E me imaginava dançando com ela ( que devia ser linda, jovem, delicada). Os passos sussurravam delicadamente em meus ouvidos atentos. Ela, que saberia o que fazer, se quisesse me conquistar para sempre. Ah! Se ela quisesse, ela desceria pela escada, até o quinto andar, exalando o perfume da pele bronzeada, aquecida pela dança... Tocaria a campainha de meu apartamento, e me chamaria para dançar; amarraria uma fita amarela no corrimão, deixaria como sinal, o lenço caído no primeiro degrau do quinto andar, ou no corredor...   

          Então me foi dada a permissão de escrever mais palavras, mas o que eu tinha a dizer nada acrescentaria ao que eu tinha dito ou imaginado. Foi um equívoco, um triste desperdício do idioma, no rol escolhido de palavras sensuais, para uma conquista: a música do andar de cima silenciou; alguém bateu a porta de casa com força, passou a chave e saiu, descendo ritmadamente pela escada; a luz do corredor do quinto andar acendeu. Passos se detiveram diante da minha porta. Prendi a respiração. Três batidas e eu abri, com o coração galopante e atrevido. Pensei que ia morrer. Uma senhora se apresentou como Dona Dadá, uma competente professora de dança. Arfante, de seios enormes e boca vermelha, falou: meu par não veio hoje! Dance comigo, meu bem?

Autora: Valéria Áureo
In: Entre Mentes e Corações

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