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quinta-feira, 23 de maio de 2019

Abrigo


                        

Ilustração: Internet


          
A menina não se lembrava de muitos eventos da infância. Entretanto, o que marcara sua alma foi a simplicidade de um presente. Ela havia ganhado de sua mãe uma bolsinha cor-de-rosa, com alças de fita de seda. Na mesma hora o objeto delicado se transformou em um cofre, cheio de preciosidades; um broquel de aço, embora fosse feito de cetim, que passou a ficar grudado em sua pele. Tinha o cheiro, a maciez das mãos da mãe. A bolsinha era um ninho tenro do lado de fora do corpo da menina. Dentro havia complementos para seu exterior: escova de cabelos, batom incolor, pó de arroz, rouge, esmalte e lencinhos de papel. Coisas de menina pequena. Havia ainda uma surpresa: na bolsa se escondia o coração da criança: muitas emoções misturadas, um espírito brilhante, esperanças embrulhadas em papel de balas de hortelã. E as duas, menina e bolsinha, não mais se separaram.

Ali dentro, quando a menina saía, podia levar consigo pertences que a faziam se sentir segura. Levava chaves, muitas delas, que colecionava como medida de precaução. Assim, afastava de si a possibilidade de perder-se ou ficar do lado de fora da casa. Se fosse o caso, então, de alguém conseguir desgrudá-la das saias da mãe e levá-la para passear longe de casa, colocava seu ninho no colo e o abria de tempos em tempos, para se assegurar de que estava ali tudo o que lhe era essencial. Bastava abrir a bolsinha e lá de dentro podia ouvir a voz de seu interior, mandando-a se acalmar. Ela via as suas coisinhas, as chaves de gavetas e portas, a maquiagem e os lencinhos. O papel prateado de bala de hortelã refrescava-lhe o hálito e uma luz intensa, esverdeada, irradiava de dentro, chamando sua calma de volta. Ventos de hortelã eram calmantes e diluíam o amargor do medo.

Ainda hoje ela carrega nas bolsas da maturidade, os suprimentos de primeira necessidade, além do terço, ao qual dava destaque primordial nesse farnel de apoio do corpo e do espírito. Tudo naquela bolsa tinha o poder de fazê-la acreditar que sobreviveria se fosse pega no caminho por uma situação de emergência. Mas aquele sentimento de proteção eterna nunca mais foi igual, como no tempo em que viveu sua mãe.






Autora Valéria Áureo

In: Docilidade de Sobreviventes


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